Na
cultura política do Brasil real, a arapongagem é generalizada. O aspecto de
ineditismo na abordagem da imprensa sobre o entrevero entre o governador Cid
Gomes e o ex-prefeito Roberto Pessoa não significa que seja prática recente.
Episódio
farisaico, um prefeito em partido de oposição ao governo Tasso aproveitava atos
institucionais nos salões do Cambeba para elogiar o governo em rodas de
bate-papo, escolhendo sempre as mais próximas a jarros e interruptores.
O
astucioso adversário agia como quem usa “o feitiço contra o feiticeiro”: queria
ter sua voz gravada com declarações supostamente espontâneas de apreço apenas
com o intuito de amenizar as restrições que sua gestão sofria. Um artista.
Não
posso afirmar que havia escuta embutida nas flores de plástico daquele salão,
mas o quadro da inteligência policial com maior exposição naquele período
presta hoje serviços profissionais em um shopping center da cidade.
Virou “de casa”.
Em
2006, informado de que eu faria os programas eleitorais do governador Lúcio
Alcântara, que buscava uma reeleição, veio me visitar alguém que se apresentou
como um “intermediário disposto a colaborar”. Trazia uma proposta inusitada.
Mediante
a módica quantia de cem reais ao mês ele me forneceria os meios para acessar
tudo que fosse dito em um celular de número à minha escolha. Havia o atrativo
de uma promoção tipo calçadão C. Rolim: cinco por trezentos.
Digo
com sinceridade e com um traço de gratificação moral: não senti a menor vontade
de fazer aquilo. Mas serviu para boa manobra: passei a soltar diversas pistas
falsas ao celular na esperança de estar sendo monitorado à distância.
Estes
são relatos periféricos. Perto do que não devo contar – seria impossível
comprovar, caso judicialmente cobrado – são episódios quase cômicos, quando há,
de fato, usual e amplo comprometimento do direito a privacidade a toda hora.
Ainda
na era da comunicação analógica, Tancredo Neves tinha horror a telefone. “Ali”,
dizia aos assessores, apontando para o aparelho sobre a mesa como quem mostra o
ninho da serpente, “nem votos de condolências”. Uma figura.
E
ninguém perdeu o emprego: os novos inquilinos do poder reciclaram o aparato de
delação da ditadura militar. Foram muitos, os que saíram dos porões do velho
regime para obter ganhos mais atrativos com a venda privativa do seu know-how.
É
possível apontar uns dados viciados: Antonio Carlos Magalhães não se continha e
às vezes jactava-se de suas arapongagens (seu neto, agora prefeito de Salvador,
é conhecido nos bastidores de Brasília pela singela alcunha de “grampinho”).
Em
outro estilo, o contido José Serra, a despeito de todas as evidências, há de
morrer negando, mas foi por chafurdar nos abusos boêmios do colega Aécio Neves
que levou de volta o dossiê Privataria Tucana porque, sim, é dando que se
recebe.
Enfim,
a tecnologia digital não tornou a bisbilhotice apenas mais eficaz: a fez mais
barata e mais segura. O voyeurismo político (e o contra-voyeurismo)
é amplo, geral e quase irrestrito. Quem disser o contrário está apenas e tão
somente mentindo.
(*) Jornalista e
escritor. Publicado In: Pauta Livre.
Pauta Livre
é cão
sem dono. Se gostou, passe adiante.
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