Por Ricardo
Alcântara (*)
Por
um período acima do prazo de validade, a direção do PT cultivou um danoso
autoengano: a sensação de prosperidade gerada na sociedade pelas políticas
públicas de combate à pobreza seria sedativa à manifestação popular espontânea.
Era
aquela a mais confortável versão para quem pactuara sua estratégia de combate à
pobreza com os mercadores da governabilidade e ao custo de maciças concessões
ao núcleo mais conservador do poder econômico, o capital financeiro.
Para
êxito do projeto social-liberal lulista, seria preciso manter a massa dispersa,
refém da agenda moderada imposta pelo pragmatismo do pacto, e a tarefa coube a
uma clientela bem fidelizada: as organizações sociais outrora muito combativas.
De
fato, “nunca antes na história desse país” se expandira tanto a metástase do
peleguismo, mas a premissa angular do “projeto” (eufemismo adotado oficialmente
para o pacto conservador) tinha base potencialmente variável: crescimento
econômico.
Acontece
que a história não guarda muitos registros de estratégias reformistas bem
sucedidas no longo prazo que tenham semeado seus pomares deixando ao solo
nutrientes atrativos para os formigueiros da banca financeira.
Ao
contrário do autoengano governista, a percepção de prosperidade gerada pelo
êxito nas políticas públicas de combate à pobreza não gerou acomodação de
forças, mas – nas ruas se vê – uma agenda reivindicativa ainda mais exigente e
complexa.
A
irônica expressão “Padrão FIFA” nos cartazes de rua dos atos públicos recentes
já definia, provocativamente, o patamar sabidamente utópico das aspirações.
Havia, no humor daquela expressão, uma síntese semântica de múltiplas leituras.
Vieram
agora pesquisas eleitorais revelar forte queda nas chances de quem ainda as
lidera – a presidente em franco processo de isolamento: sem que tenha firmado
sintonia com os acordes da rua, perdeu as partituras de seu concerto
parlamentar.
A
ressaca das manifestações despeja agora na praia do governismo os despojos das
insatisfações: o “projeto” não é punido por uma negação dos seus méritos, mas
pela sua recusa em suceder a si mesmo e manter-se protagonista.
O
governo Dilma Rousseff não imprimiu uma marca própria. Manteve conquistas, mas
avançou pouco. Não é um governo autoral, desses que formam líderes. É mais do
mesmo e, mesmo quando o mesmo é bom, mais do mesmo nunca é suficiente.
E
não é suficiente porque o imenso passivo social impõe a introdução constante de
novas esperanças. Se outros males já reclamavam intervenções agudas, a missão
do “projeto” se vê sob pressões recentes: o crescimento diminui e os preços
disparam.
O
recado é claro: Bolsa-família é feijão mastigado. Menos do que revisar seus
atos, do governo a sociedade reclama, em desconfortável sensação de estagnação
e elevação do custo de vida, maior qualificação de obrigações e
representatividade.
Sob
o ceticismo das ruas – manada de búfalos que reflui sem apagar seu rastro – e a
desconfiança dos aliados, a quem a aparente normalidade já reanima a audácia de
seus abusos, a presidente Dilma vê esfarelar-se sua agenda de emergências.
Do
terceiro andar de sua solidão, Dilma observa o silêncio de Lula como ato de
reserva: enquanto seus áulicos fazem saber que ela erra sozinha, ele se guarda
para a hora mais difícil. Claro: Lula nega. Mas que importa sua vontade
pessoal?
Se a
eleição fosse hoje, ele não teria como evitar sua indicação, senão aceitando o
risco de ser responsabilizado pela possível derrota de um “projeto” por ele
edificado com paciência, determinação e a malandragem de um velho sindicalista.
Dilma
não é de muitos botões, mas deve estar conversando muito com todos eles!
(*) Jornalista e
escritor. Publicado In: Pauta Livre.
Pauta Livre
é cão
sem dono. Se gostou, passe adiante.
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