terça-feira, 23 de julho de 2013

INADIMPLÊNCIA FRATERNA



Meraldo Zisman (*)
Sem nos darmos conta chega uma época da vida em que passamos a ser responsáveis pelos nossos pais. Eles vão necessitando da gente, cada vez mais. O pai a mãe, começam a desaparecer, aos poucos pelo cansaço, a doença ou ainda porque nós mudamos.
Os casos de filhos ou filhas zelosos para com os pais, lembram-me a quadrinha do Paulo Mendes Campos: "uma tirania a inventar/ cuidados chocantes,/ temores que machucam / libertemos os velhos de nossa fatigante bondade.". O importante é, como ofertar esses cuidados, que deverá trazer amor, nunca sob a forma de pagamento ou obrigação.
Dia desses tive que conduzir uma senhora, bem apessoada, a um desses lares geriátricos. Na hora, coube a mim a tarefa de transportá-la. A minha cliente de psicoterapia, sua neta, pediu-me para que eu realizasse a tarefa de levar a sua avó para o asilo. Fui. Obrigação profissional. Em lá chegando, achei o ambiente e as acomodações do estabelecimento, luxuosos. Livre da lúgubre tarefa, mas aliviado perguntei por curiosidade, o preço da mensalidade de um "hóspede", em apartamento individual. A senhora por trás do balcão da recepção, ouviu a minha indagação. Com um sorriso profissional respondeu:
- "Doutor, não aceitamos hospedes particulares". Notando a minha surpresa disparou: "O convênio paga pouco, mas é garantido". E prosseguiu sem tomar fôlego: "Quando o idoso é internado, toda a família jura vir visitá-lo, todos os dias. Com o passar das semanas, meses, as visitas rareiam enquanto vai aumentando a inadimplência fraterna".
- Inadimplência fraterna, o que é isso?
A empresária não se abalou e foi me explicando com paciência: "Cada um dos filhos ou filhas, vai deixando de contribuir com a sua parte... Uns dizem que é a crise; outros, esquecimento. E assim vai. No fim do mês quem fica com a velha e as contas sou eu".
Saí daquele lugar pensativo. Atravessei o jardim amplo e bem cuidado. Pensei naquela mansão que deveria ter tido seus dias de glórias. O sol brilhava. Manhã que só acontece no meu Recife. E então me lembrei de meu pai com seus ditados judaicos: "Um pai dá de comer a 10 filhos, 10 filhos não dão de comer a um pai".
(*) Professor Titular da Pediatria da Universidade de Pernambuco. Psicoterapeuta. Membro da Sobrames/PE, da União Brasileira de Escritores (UBE) e da Academia Brasileira de Escritores Médicos (ABRAMES).

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