Meraldo Zisman (*)
Sem nos
darmos conta chega uma época da vida em que passamos a ser responsáveis pelos
nossos pais. Eles vão necessitando da gente, cada vez mais. O pai a mãe,
começam a desaparecer, aos poucos pelo cansaço, a doença ou ainda porque nós
mudamos.
Os casos de
filhos ou filhas zelosos para com os pais, lembram-me a quadrinha do Paulo Mendes Campos:
"uma tirania a inventar/ cuidados chocantes,/ temores que machucam /
libertemos os velhos de nossa fatigante bondade.". O importante é, como
ofertar esses cuidados, que deverá trazer amor, nunca sob a forma de pagamento
ou obrigação.
Dia desses
tive que conduzir uma senhora, bem apessoada, a um desses lares geriátricos. Na
hora, coube a mim a tarefa de transportá-la. A minha cliente de psicoterapia,
sua neta, pediu-me para que eu realizasse a tarefa de levar a sua avó para o
asilo. Fui. Obrigação profissional. Em lá chegando, achei o ambiente e as
acomodações do estabelecimento, luxuosos. Livre da lúgubre tarefa, mas aliviado
perguntei por curiosidade, o preço da mensalidade de um "hóspede", em
apartamento individual. A senhora por trás do balcão da recepção, ouviu a minha
indagação. Com um sorriso profissional respondeu:
-
"Doutor, não aceitamos hospedes particulares". Notando a minha
surpresa disparou: "O convênio paga pouco, mas é garantido". E
prosseguiu sem tomar fôlego: "Quando o idoso é internado, toda a família
jura vir visitá-lo, todos os dias. Com o passar das semanas, meses, as visitas
rareiam enquanto vai aumentando a inadimplência fraterna".
-
Inadimplência fraterna, o que é isso?
A empresária
não se abalou e foi me explicando com paciência: "Cada um dos filhos ou filhas,
vai deixando de contribuir com a sua parte... Uns dizem que é a crise; outros,
esquecimento. E assim vai. No fim do mês quem fica com a velha e as contas sou
eu".
Saí daquele
lugar pensativo. Atravessei o jardim amplo e bem cuidado. Pensei naquela mansão
que deveria ter tido seus dias de glórias. O sol brilhava. Manhã que só
acontece no meu Recife. E então me lembrei de meu pai com seus ditados
judaicos: "Um pai dá de comer a 10 filhos, 10 filhos não dão de comer a um
pai".
(*) Professor Titular da Pediatria da Universidade
de Pernambuco. Psicoterapeuta. Membro da Sobrames/PE, da União Brasileira de
Escritores (UBE) e da Academia Brasileira de Escritores Médicos (ABRAMES).
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