Antero Coelho Neto (*)
E na seqüência do que venho escrevendo sobre a nossa
qualidade de vida e longevidade, alguns amigos têm me perguntado: “e como será
a minha vida ao morrer”?.
Para nós médicos, a valorização deste tema torna-se, cada
vez mais importante. Vem, então, na minha lembrança, momentos que ficaram muito
marcantes na minha vida e que transmito para vocês.
Dr. Fernando Paulino, com sua técnica primorosa,
conhecimento extraordinário de clínica e de fisiopatologia cirúrgica e,
principalmente, sensibilidade para com os seus pacientes, foi um dos maiores
cirurgiões da medicina mundial.
Aprendi com ele que existe muito mais do que um simples
bisturi por detrás de todo atendimento cirúrgico. Aprendi dele, na sua Casa de
Saúde São Miguel, no Rio de Janeiro, que ser médico e ser cirurgião é muito
mais do que muitos pensam. Aprendi a grandeza do ser humano, como doente e como
pessoa, tendo o direito de viver com dignidade e qualidade. E, depois, cada
doente que morria em minhas mãos, constituía uma enorme dor para mim.
Anos mais tarde, era então Reitor da Unifor, quando Dr.
Fernando esteve aqui em Fortaleza pela última vez. Ele, olhando o nosso lindo
Campus pela janela da Reitoria, me falou: “Agora compreendo e te perdôo por
teres te afastado da cirurgia... Aqui tu tens muita gente que necessita de teus
conhecimentos e de teus sentimentos...”.
E, à noite, jantando no Náutico, conversando comigo sobre
os seus casos cirúrgicos terminais, suas operações com enormes ressecções de
órgãos, chorou como uma criança, dizendo que os doentes tinham perdido o
direito de viver os seus últimos dias com dignidade e humanidade, em nome de um
desenvolvimento científico. E que, muitos deles que morriam no próprio
hospital, sofrendo as dores e angústias da UTI, poderiam ter ficado em suas
casas, com seus familiares, muitos vivendo com tranqüilidade e sem dor, seus
últimos dias.
Naquele tempo, não se falava em qualidade de vida e muito
menos na qualidade de vida ao morrer. Felizmente, na nossa atual prática médica
e de viver, muito tem mudado nos últimos anos. Principalmente no tema e na
busca de uma melhor qualidade de vida. Todos os dias vemos nos jornais,
revistas, comerciais, programas de rádio (inclusive o nosso, “Novas Idades”, na
FM Universitária), televisão, internet, etc., ditos, fatos e ensinamentos sobre
como viver mais com melhor qualidade. Mas nada de se falar na qualidade de
nossa vida ao morrer. Talvez por medo, religiosidade, tabu?
Daí a enorme importância que tem e damos para a chamada
Medicina Paliativa e sobre a qual já escrevemos e falamos para vocês. Um estudo
recente, da revista inglesa The Economist, revela que se morre mal no mundo e
muito pior no Brasil. A partir de um Índice de Qualidade da Morte, que exclui
mortes violentas e acidentais, foram pesquisados 40 países. O Brasil ficou em
38º lugar, à frente apenas de Uganda e da Índia.
Destaco que não gosto do termo Qualidade da Morte que já
foi assunto nosso anterior. A vida é que tem ou não tem qualidade. A morte é
apenas um Momento de parada da vida.
E vem então a pergunta: quando será que o Ministério da
Saúde vai também incorporar esse importante e frequente problema dos idosos
brasileiros? Quando será que os responsáveis pelo nosso país vão se lembrar que
eles também vão morrer?.
Em artigo anterior fiz uma proposta que continua válida:
Vamos criar a nossa Rede: “Qualidade de Vida ao Morrer”?
Amigos médicos, nós que tanto sofremos com a morte de
nossos clientes, vamos continuar como Dr. Fernando Paulino, há 40 anos atrás?
Não! Vamos viver e ajudar os nossos doentes viverem com
Qualidade.
(*) Médico, professor
e ex-presidente da Academia Cearense de Medicina.
Publicado In: O Povo, 8/08/2013.
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