quinta-feira, 5 de abril de 2018

A UNIVERSIDADE NÃO É IGREJA, NEM PARTIDO

Por André Haguette (*)
A notícia de que a UnB oferece a disciplina “O golpe de 2016 e o futuro da democracia no Brasil” criou um alvoroço, segundo seu criador, o professor Luís Felipe Miguel. A disciplina foi logo interpretada como tendo “o propósito de usar a universidade como veículo de marketing partidário” nas palavras do senador Cristovam Buarque. O título e o conteúdo do programa alimentam essa interpretação. A iniciativa vem em má hora, dando argumentos à famigerada campanha a favor da “Escola sem Partido”. Urge reafirmar fortemente que a universidade não é igreja, nem partido político e não está a serviço de nenhum governo. Ela trabalha com a razão questionadora, inquieta, enquanto a igreja se alimenta da certeza da doutrina e o partido político, de seus interesses. Na universidade, busca-se hipóteses, argumentos, provas e verificação; na igreja, a certeza da fé e no partido, o ardor da convicção.
Não se trata, evidentemente, de censurar a universidade e o autor da disciplina, como o fez reativamente o Ministro da Educação, ferindo a autonomia universitária. Tudo que é pensado, vivido, imaginado, sentido e desejado por membros da sociedade pode e deve ser objeto de reflexão e análise na universidade. Não há limite apriorístico ao saber, contrariamente à doutrina da Escola sem Partido e à reação do ministro. O que está em jogo não é o assunto – já que todos podem ser abordados - mas como deve ser tratado. A boa pedagogia assevera que o ensino visa fornecer aos alunos e professores elementos para o desenvolvimento de um pensamento crítico pessoal sem a imposição de uma determinação externa. O professor e os alunos podem até defender um posicionamento teórico, mas num clima de liberdade de pensar em busca de evidência. Por exemplo, eu intitularia a disciplina “O julgamento da Presidente Dilma: impeachment ou golpe”, como convite à reflexão sem a afirmação prévia de uma convicção. É que o ensino universitário pretende fazer ciência e, por esse motivo, deve ser interrogativo, questionador e não apodíctico. A ciência é hipotética, baseada em argumentos, provas e evidência. Ela opera a partir de dúvidas, com verificações e conclusões sempre provisórias, submetidas a testes de falseabilidade. Sendo a ciência crítica, a universidade há de sê-lo. Para chegar a essa liberdade de pesquisar, a instituição universitária teve uma luta quase milenar contra o autoritarismo da Igreja católica, em primeiro lugar e, em segundo lugar, contra o Estado; sua autonomia é uma conquista cotidiana, o que justifica seu financiamento pela sociedade. Todo e qualquer aparelhamento do ensino universitário é golpeá-la de seu significado para essa sociedade que a financia.
Em suma, quando a sala de aula se torna militância partidária, confessional ou mesmo intelectual, a ciência sai pela janela e a universidade apodrece.
Parece-me que foi essa compreensão de universidade e de pedagogia que provocou o alvoroço contra a disciplina e a atitude do ministro da educação sem mesmo ter-se a certeza que o marketing partidário tenha sido o objetivo visado. De qualquer forma, é melhor prevenir!
(*) Sociólogo e professor titular da UFC
Publicado In: O Povo, Opinião, de 12/3/18. p.23.

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