Por Pedro Aihara (*)
No dia 22.03.20, no meio da
pandemia, uma senhora, 90 anos, faleceu na Bélgica após ter recusado o
ventilador mecânico. “Guarde
para alguém mais jovem. Eu vivi uma boa vida”, disse.
O inimigo dessa vez é invisível e
implacável: fez os líderes das grandes nações parecem crianças assustadas, fez
o Papa sozinho, perdoar nossos pecados. Judeus e muçulmanos rezarem juntos.
Não se iluda. Cloroquina ou
hidroxicloroquina não irão nos salvar dessa vez.
As nossas tradicionais armaduras
falharam. De nada adiantou o poderio militar nuclear dos mísseis ou os
inalcançáveis imóveis de luxo do Central Park:
o gramado agora está cheio de
tendas de hospital de campanha. Nossos planos de saúde caros não foram
suficientes para tirar o receio da falta de equipamentos de nossas cabeças e
tampouco nossos celulares e televisões sofisticados foram capazes de entreter
no meio dessa solidão sentida e vivenciada por todos.
Sentimo-nos amedrontados,
perdidos, sozinhos.
E aí, diante de algo que não
sabemos como nem quando vai acabar, fomos obrigados a ajoelhar.
E para ajoelhar, todos nós fomos
obrigados a aprender que é necessário sair dos nossos tronos, das nossas
bolhas, coberturas, das nossas realidades e aproximar a cabeça do chão, frágeis
e despidos.
Quando a gente se abaixou,
esbarramos as cabeças uns nos outros e o milagre começou a acontecer. Começamos
a perceber que a doença que mata a minha mãe também mata a mãe de quem mora do
outro lado do mundo.
Vimos que o mesmo problema que
quebra o meu negócio desemprega o meu funcionário mais simples. Passamos a ver
a importância de profissões que considerávamos pouco importantes ou
dispensáveis.
Constatamos que o medicamento que
me falta também faltará para quem mora na favela.
Sentimos que a mesma solidão que
se abate sobre mim angustia o outro que tem nome, cor, origem e religião
diferentes dos meus.
Despedaçados perante nossos medos
mais ocultos, enfim fomos obrigados a admitir aquilo que já sabíamos mas não
queríamos aceitar: somos todos iguais. No final das contas, após todo o
dinheiro, todo o status, todos os privilégios, encolhemo-nos de medo das mesmas
coisas e sentimos uma compaixão comum diante dos números que crescem, seja na
Itália, EUA, ou na nossa cidade.
Se antes bastava se cercar no
próprio feudo e a guerra não chegaria ali, agora, para funcionar pra mim,
precisa funcionar pra todo mundo. Para que eu seja protegido, preciso proteger
os outros. A conta do nosso egoísmo chegou, cara e sem desconto.
Mas com o milagre, percebemos que
essa conta pode ser paga de outra forma. Dito e repetido, não são
hidroxicloroquina ou cloroquina que encerrarão esses tempos obscuros. Já
descobrimos a cura e ela se chama amor. Pode parecer piegas, não é mesmo? Mas a
verdade é que chegamos no ponto decisivo, na curva da inflexão na qual ou
mudamos a maneira de conviver enquanto sociedade ou estaremos sempre à mercê de
nosso egoísmo disfarçado de vírus, guerras, crises econômicas ou governantes
inescrupulosos.
Para muito além do desespero e
caos que estafam a nossa mente, o Brasil que se apresenta agora é o Brasil dos
profissionais de saúde exaustos que se revezam para salvar pessoas que nem
conhecem. É o Brasil de empresários assumindo prejuízos para não demitir seus
funcionários.
É o Brasil de pessoas parando
atividades para garantir o bem-estar de outros. É o Brasil dos entregadores,
caminhoneiros, garis e caixas de supermercados. É o Brasil de pessoas que doam
o pouco que tem para que quem tem menos ainda possa ter algo.
É o país do amor ao próximo e de
gente que se preocupa com gente, de forma real e além de discursos vazios e
hipócritas.
Esse país de gente solidária,
trabalhadora e resiliente pode afinal ser o gigante que acordou, ainda que
tantos discursos e personagens irresponsáveis tentem macular nosso foco. A reflexão
sobre qual lado da história iremos (e optaremos por) estar nunca foi tão
necessária.
Tempos difíceis servem para
algumas coisas, entre elas grandes aprendizados e reflexões incômodas. Quando
aquela senhora heroína na Bélgica cedeu o equipamento, a afirmação dela pode e
deve ser repetida aqui: “guarde para alguém mais jovem”...
E dessa vez, não é sobre o
equipamento.
É sobre o legado e a história que
estamos construindo nesse momento decisivo. É a hora de abaixarmos as nossas
bandeiras ideológicas e substituí-las por empatia, bom-senso e álcool em gel.
Fiquemos em casa e ajudemos uns aos outros, irrestritamente.
Construamos, unidos, nesse
momento difícil, uma nação melhor e mais solidária, para que possamos deixar,
após a crise, um país melhor “guardado para os mais jovens”. É essa a real cura
para o temido vírus...
QUEM ESCREVEU
(*) Pedro Aihara, bombeiro militar, mestre em Direitos Humanos, especialista
em Gestão e Prevenção de desastres, professor e palestrante. Atuou em crises
como as de Brumadinho, Mariana, Janaúba, entre outras.
Fonte: Internet (circulando por e-mail
e i-phones). Com autoria atribuída a Pedro Aihara.
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