Com 102 anos de história, sendo uma das
instituições pioneiras da saúde pública no Brasil, a Faculdade de Saúde Pública
da USP, por meio de sua Congregação, dirige-se aos meios de comunicação para
informar o seguinte.
Não há contradição entre proteção da
economia e proteção da saúde pública. A recessão econômica decorrente da
pandemia será global e já é inevitável. Medidas de proteção social,
especialmente o provimento de renda mínima para trabalhadores informais e
complemento de renda para populações vulneráveis, a exemplo do que outros
países estão fazendo, devem ser adotadas imediatamente. Esta proteção econômica
é um dever do Estado que garantirá tanto a subsistência dos beneficiários como
a preservação de um nível básico de consumo, protegendo a vida e a economia,
inclusive os pequenos comércios. Neste cenário, os cortes de salários,
inclusive de servidores públicos, constituiriam dano irreparável à economia,
com queda ainda mais brusca de patamares de consumo. Não há que se confundir a
economia brasileira com interesses econômicos de determinados grupos.
O isolamento exclusivo de pessoas em
maior risco não é uma medida viável, especialmente em um país com as
características do Brasil, com elevados índices de doenças crônicas não
transmissíveis que constituem comorbidades relevantes diante da incidência do
novo coronavírus. É importante ressaltar que a Covid-19 pode ser assintomática,
tem largo potencial de propagação e, como bem revelam os dados de outros
países, pode acometer igualmente jovens saudáveis que, com a sobrecarga dos
serviços de saúde públicos e privados, podem vir a engrossar as estatísticas de
óbitos evitáveis. Ademais, a experiência de outros países demonstra que, na
falta de isolamento, parte significativa dos profissionais de saúde está sendo
infectada por transmissão comunitária, ou seja, em seu convívio social,
reduzindo o contingente de trabalhadores disponíveis, em prejuízo da saúde
desses profissionais e de toda a sociedade.
Neste momento de crise, mostra-se
urgente e essencial reforçar as capacidades do Sistema Único de Saúde no
Brasil, ampliando o seu financiamento, articulando de forma eficaz e
cooperativa as ações e serviços públicos de saúde prestados pela União,
Estados, Distrito Federal e Municípios, ampliando as ações de vigilância em
saúde e consolidando protocolos e diretrizes terapêuticos nacionais que
orientem a sociedade brasileira de forma segura e cientificamente eficaz. Deve
haver imediata regulação da distribuição dos leitos de UTI, articulando os
setores público e privado, a fim de garantir o acesso equitativo ao tratamento
intensivo para o conjunto da população.
Ainda no que se refere à valorização do
SUS, deve ser ressaltada a importância dos profissionais de saúde que vêm se
dedicando à atenção dos infectados pelo novo coronavírus. É fundamental que o
Estado brasileiro proteja esses profissionais para o pleno desenvolvimento de
suas atividades, uma vez que são extremamente expostos ao risco de contaminação
e às jornadas de trabalho intensas e exaustivas. Para tanto, deve-se garantir o
fornecimento dos equipamentos de proteção individual essenciais no manejo
clínico da doença, assim como organizar rotinas e jornadas que evitem a
sobrecarga de trabalho e ofereçam a esses profissionais ambientes de trabalho
adequados e seguros.
A situação dos idosos merece particular
atenção. A banalização da ideia da prescindibilidade de suas vidas no discurso
político constitui afronta inadmissível à dignidade humana. A subsistência dos
idosos deve merecer políticas específicas, pautadas por preceitos éticos.
O sucesso da política de saúde voltada à
contenção do coronavírus depende da adesão da população às medidas orientadas
pelo Estado, que deve ser capaz de organizar e incentivar a ação social
coletiva nesse momento estratégico. Assim, as ações e serviços públicos de
saúde devem pautar-se pelas melhores evidências científicas, com total transparência,
clareza e objetividade. As medidas restritivas de direitos devem ser
devidamente motivadas, proporcionais, potencialmente eficazes e atentamente
monitoradas pela sociedade brasileira.
Por fim, o investimento em pesquisa e
formação superior deve ser não apenas mantido mas incrementado de forma
significativa e permanente. A experiência da Covid-19 demonstra o quanto a
ciência é imprescindível na resposta às emergências, além do extraordinário
proveito da vinculação estreita entre a produção científica e os grandes
sistemas públicos de saúde, com alto grau de fecundação recíproca. No entanto,
a ciência requer investimentos de curto, médio e longo prazo, que podem ser
altamente comprometidos pela instabilidade ou suspensão temporária de recursos.
Reiterando sua missão, seus valores e
compromissos com o Estado Democrático de Direito e com a sociedade brasileira,
a Congregação da FSP/USP coloca-se à disposição e solidariza-se com as
autoridades sanitárias neste momento de extrema dificuldade, reconhecendo o
empenho dos mandatários dos Estados da federação brasileira em salvar vidas.
Nossa união e nossa solidariedade será fundamental para o êxito da resposta à
Covid-19.
Como sanitaristas com formação plural e
multidisciplinar que dedicamos nossa vida à formação e à pesquisa nesta área,
pedimos: fiquem em casa, busquem informação confiável e defendam políticas
imediatas de proteção social.
Congregação da Faculdade de Saúde
Pública da USP
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