Por Sofia Lerche Vieira (*)
De todos os ícones
desse tempo de incertezas, um dos mais significativos é a imagem do papa
Francisco, orando em solidão na praça São Pedro absolutamente vazia. Símbolo do
sofrimento humano, a estátua de Jesus crucificado, cujos pés foram beijados
pelo papa na cerimônia da benção Urbi et Orbi, parece ser, a um só tempo,
síntese desse momento histórico e prenúncio do que há de vir.
A vida, tal como
era antes, mudou. Depois da Covid-19, jamais será a mesma. Desde tempos imemoriais,
a praça - esfera da vida pública a que os gregos denominaram ágora - era e
continuava sendo até antes da pandemia, espaço de reunião, assembleia e
congraçamento. Hoje, no mundo inteiro, as praças estão vazias. Há uma volta à
casa - a que os mesmos gregos se referiam como oikos, a esfera da vida privada.
Unidos por esse movimento, súbito e inesperado, homens e mulheres de todas as
idades são tomados pela perplexidade e insegurança. O que fazer?
A doença,
implacável, varre o planeta. Isolados uns dos outros, voluntariamente ou não,
todos padecem. Eis que, em meio ao desespero da crise inesperada, as pessoas,
em sua inesgotável capacidade de inventar e criar, estão descobrindo novas
formas de exercer a sociabilidade e o espírito gregário próprio da condição
humana. A internet e os recursos tecnológicos nunca foram tão utilizados.
Concertos virtuais reúnem músicos que tocam de suas residências em diferentes
partes do planeta. Vizinhos festejam aniversários de suas varandas. Do alto de
edifícios surgem vozes de corais que surpreendem e encantam. Um toque de magia
se insinua nas relações humanas. Saudades revisitadas. Carinhos aquecidos. Sem
contar com um redespertar sem precedentes da solidariedade com o outro.
Quando as gerações
futuras, sobreviventes do holocausto deflagrado pela pandemia, voltarem seu
olhar sobre esse tempo, hão de perceber que, o sofrimento coletivo desencadeou
grande aprendizagem sobre o essencial. O papa Francisco não estava só. A
humanidade compreendeu que suas palavras traziam uma verdade indiscutível: a de
que é preciso "fazer o bem, sem olhar a quem".
(*) Professora do Programa de Pós-Graduação em Educação da Uece e
consultora da FGV-RJ.
Fonte: Publicado In: O Povo, Opinião, de 6/4/20. p.16.
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