quarta-feira, 22 de abril de 2020

NEM OS MESMOS, NEM COMO OS NOSSOS PAIS


Por Marcelo Alcântara Holanda (*)

Estamos prestes a completar, com relativo êxito, duas semanas de distanciamento (não confundir com isolamento) e união social, seguindo as orientações de governantes estaduais, municipais e do Ministério da Saúde. Uma mobilização histórica contra um gravíssimo problema de saúde pública, a pandemia pelo novo coronavírus.
É hora de sabermos o que é uma economia de guerra, de o coletivo valer mais do que o indivíduo. Hora de a razão ser guiada pela ciência e a técnica, pela arte e a criatividade, superar obscurantismos e o medo. Hora de o Estado assumir o papel de guia, de apontar o norte, ser de fato a mão amiga que protege os mais atingidos, os mais vulneráveis. Sim, já não somos os mesmos e nem vivemos como os nossos pais.
O governo do Ceará, e em particular, a Secretaria Estadual de Saúde e sua vinculada, a Escola de Saúde Pública, têm mobilizado toda a sua capacidade de inteligência, de conhecimentos e de inovação, seus recursos humanos, financeiros e de gestão, sua articulação política e social na construção de uma rede de proteção e preservação da vida. Ações concretas são essenciais para que a sociedade se alinhe, tenha foco e atravesse esse momento difícil. Isso fica claro quando ansiamos pela live diária do governador nas redes sociais, assistimos às análises técnicas da curva epidemiológica pelas autoridades sanitárias, apoiamos as medidas de fortalecimento do Sistema Único de Saúde (SUS), aplaudimos as ações voluntárias.
Numa corrida contra o tempo, um hospital inteiro dedicado a pacientes com a Covid-19 foi aberto em tempo recorde, insumos e ventiladores mecânicos (respiradores) vêm sendo recuperados ou adquiridos, profissionais de saúde recrutados, capacitados e mobilizados, modelos e sistemas de análise desenvolvidos, órgãos e secretarias de Estado mobilizados de forma a atenuar as consequências econômicas e sociais. A sociedade como um todo, do mais humilde ao mais rico, é chamada a participar, e no geral, tem correspondido. Mas sim, o tsunami de casos graves da Covid-19 virá, inevitavelmente, infelizmente. Quantos poderemos salvar? A onda viral encontrará no Brasil e no Ceará um quebra-mar?
Tenho 51 anos. Não lembro de ter vivenciado ou ter ouvido histórias dos meus pais ou avós sobre algo similar ao que passamos. Somos forçados a crescer. Mas também sei que não vivemos propriamente algo novo na História da humanidade. Ainda estudante de Medicina, achei na biblioteca da minha mãe e li A Peste (1947) de Albert Camus. Fiquei marcado pelos personagens, como o Dr. Rieux e seu amigo Tarrou, e a forma como se transformam e se agigantam numa quarentena forçada. A própria existência humana é posta em xeque nas grandes catástrofes. Para aqueles personagens, "no Homem há mais coisas dignas de admiração do que de desprezo". Bom pensamento.
É nossa vez de virarmos gente grande, de nos permitirmos ser o melhor que podemos a partir da beleza do enfrentamento solidário pela vida. É mesmo uma guerra, e ela é nossa.
(*) Médico. Professor da UFC. Superintendente da Escola de Saúde Pública do Ceará Paulo Marcelo Martins Rodrigues.
Fonte: Publicado In: O Povo, de 2/04/2020. Opinião. p.13.

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