Por Sofia
Lerche Vieira (*)
As tropas americanas concluíram sua atabalhoada retirada do Afeganistão. Deixaram para trás um rastro de
violência e morte. As imagens do drama suscitado pela tomada de Cabul e suas
trágicas consequências hão de permanecer na memória coletiva dos obscuros e
incertos tempos que atravessamos.
Para além do fato em si, o que se viu remete a formas de organização
social que não se enquadram nos padrões das civilizações que têm dominado o mundo.
Conhecido como "cemitério de impérios", desde tempos
imemoriais, o Afeganistão tem sido palco de sangrentos conflitos. As
inúmeras etnias, suas peculiaridades e domínios desafiam uma compreensão
do território, tal como se apresenta aos "povos civilizados". Suas
fronteiras são artificiais; a interferência externa, um fato (#BdfEntrevista
#RedeTVT #ArleneClemesha).
Dominados, se insurgem contra dominadores. E deles fazem troça. Imagens
diversas de antes e depois da retirada, mostram uma apropriação material e
simbólica dos milionários equipamentos militares abandonados e "desabilitados" pelos
americanos. Enquanto uma facção ocupa o país desfilando com as armas dos
invasores, outros grupos aprofundam o terror. E já não se sabe quem é o
inimigo.
A ação dos talibãs e outros grupos extremistas, de algum modo remete às táticas de
guerrilha dos povos lusitanos contra a expansão de Roma na Hispânia em meados
do século XX a.C. Foi então que, sob a liderança de Viriato (181 a.C. - 139
a.C.), os habitantes do território sudoeste da Península Ibérica desafiaram as
tropas romanas, causando significativas baixas em seus exércitos.
Quem hoje percorre certos sítios arqueológicos da Espanha há de observar que as lendas
sobre os valores de luta pela liberdade política de Viriato permanecem vivas.
O desafio geopolítico do Afeganistão requer uma compreensão histórica para além dos
manuais de guerra tradicional. Para o mundo, mais uma vez, fica a lição de que
"a história se repete, a primeira vez como tragédia e
a segunda como farsa" como, em 1852, escreveu Marx em O 18 Brumário
de Luís Bonaparte. Qualquer semelhança com o Vietnã não é coincidência.
(*)
Professora do Programa de Pós-Graduação
em Educação da Uece e consultora da FGV-RJ.
Fonte: Publicado In: O Povo, de 13/09/21. Opinião, p.26.
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