quinta-feira, 14 de outubro de 2021

A GRAMÁTICA, O DICIONÁRIO E A LÓGICA

Por Tales de Sá Cavalcante (*)

Uma brasileira, em Lisboa, perguntou a um português: "Que horas escurece aqui?" "Não escurece, acendemos as luzes", respondeu o lusitano a usar a língua ao pé da letra, o que, por vezes, leva-nos ao riso.

O português prefere a linguagem formal; e o brasileiro, a coloquial. Expressões errôneas entram em moda e são repetidas, como as fake news. Pedagogos utilizam uma delas, que, pelo constante emprego, já está no dicionário: se um aluno estuda no turno da manhã, algo realizado à tarde será no "contraturno", mas a tarde nunca foi contra a manhã.

Muito se menciona: "Concordo em gênero, número e grau." Porém, o saudoso Genuino Sales dizia concordar em gênero e número, visto que essas concordâncias são obrigatórias, enquanto a de grau é optativa.

Se alguém nada possui, deve falar "eu não tenho nada" ou "eu tenho nada" (em inglês, I have nothing)?

Os gramáticos, como Said Ali, em 1921, e seguidores, acham que duas negativas formam uma negação reforçada. Já os ligados à lógica aristotélica, com raízes filosóficas ou matemáticas, veem na dupla negativa uma afirmativa, já que se "não tenho nada" é porque detenho algo.

Este articulista elege a assertiva "eu tenho nada", a seguir Bertrand Russell e Alfred Whitehead no princípio da dupla negação: "Uma proposição é equivalente à falsidade de sua negação."

É a divergência que nos dá energia para a vida. Se duas pessoas tiverem uma conversa discordante, a tese vencedora não será a de uma ou a de outra, senão a resultante do diálogo entre ambas.

No país do futebol, se uma equipe perde no campo e ganha na justiça desportiva, diz-se que ganhou no tapetão, mas perdeu nas quatro linhas, uma vez que o campo é delimitado por quatro linhas.

Resolveu-se agora afirmar que obedecer à nossa Carta Magna é estar dentro das quatro linhas da Constituição, a admitir sua limitação por quatro segmentos de reta, o que seria, no mínimo, uma metáfora precária, de acordo com Merval Pereira, membro da Academia Brasileira de Letras.

Talvez, se seguirmos quem nos ensinou o idioma, tenhamos mais luzes acesas e nossa comunicação receba mais raios de sabedoria.

(*) Reitor do FB UNI e Dir. Superintendente da Org. Educ. Farias Brito. Membro da Academia Cearense de Letras.

Fonte: Publicado In: O Povo, de 26/8/21. Opinião, p.18.

Nenhum comentário:

 

Free Blog Counter
Poker Blog