terça-feira, 29 de novembro de 2022

SAÚDE MENTAL E TRABALHO EM CRISE

Por José Jackson Coelho Sampaio (*)

Em 1989 a Opas lançou a ideia de um encontro em Quito para debater a situação da pesquisa sobre Saúde Mental nas Américas, convidou três pesquisadores por país e priorizou os eixos da Epidemiologia e da relação com o Trabalho. O debate histórico, teórico, metodológico, técnico de investigação e de interpretação era crucial para romper os limites de uma Epidemiologia retardatária, derivada e maltratada, e construir uma Epidemiologia Social Crítica que incluísse o contexto socioeconômico-ambiental e pudesse incorporar a subjetividade. Mas, o maior impacto dos debates ocorridos foi sobre a interrelação Saúde Mental e Trabalho, que atravessa a vida inteira, em todas as suas dimensões.

Na infância e adolescência estamos expostos indiretamente ao trabalho dos pais e às condições de consumo que aquele trabalho gera. Na condição de adulto enfrentamos diretamente o mundo do trabalho, no duelo entre a objetividade das condições e do processo de trabalho e as expectativas de segurança, consumo, satisfação e prestígio. Na velhice, colhemos os frutos retardatários das vitórias e fracassos destas lutas.

O diagnóstico, naquele tempo, ainda não muito diferente, era de pouco volume de pesquisa, pouca articulação entre pesquisadores e baixa concordância conceitual/instrumental, além do isolamento entre os pesquisadores e os movimentos críticos dos trabalhadores em metamorfose permanente, derivada das ações do capital em busca de mundialização, tercialização, terceirização, desregulamentação, tecnologização, deslegitimização sindical e concentração exponencial da riqueza.

Iniciou-se a criação de grupos de pesquisa nas universidades, de rede comunicativa entre os grupos, como é o caso da latino-americana Red de Investigadores sobre Factores Psicosociales en el Trabajo, da qual a Uece faz parte, por meio do Grupo de Pesquisa Vida e Trabalho-GPVT, e de encontros por meio de eventos, como os Congressos das Américas sobre Fatores Psicossociais, Saúde Mental e Stress no Trabalho, que a Uece sediará a 5ª edição em outubro de 2023.

A situação brasileira hoje é dramática: a desregulamentação do trabalho agudizou-se no último quinquênio e a pandemia de Covid19 transformou o agudo em crise, desnudando a relevância do sofrer mental das pessoas num mundo em convulsão de valores e esperanças.

(*) Professor titular de Saúde Pública e ex-Reitor da Uece.

Fonte: Publicado In: O Povo, de 17/11/2022. Opinião. p.17.

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