O milagre em São José do Caxingó das Almas
Tudo
começou numa brincadeira de Soletrando, debaixo dum pé de jaca carregada, bem
madurinha. 11 meninos e meninas e uma professora aposentada da pacata cidade
brincavam alegres e satisfeitos de "desenvolver, de forma prazerosa,
habilidades de leitura e conhecimentos da Língua Portuguesa, despertando a
curiosidade e a necessidade de pesquisar". A determinado ponto da
diversão, o desafio de soletrar a palavra CAXINGÓ, como carinhosa e
abreviadamente era conhecido o lugarejo que habitavam.
Soletrar
de um fôlego só - falando pra dentro - o adjetivo referente àquele que caminha
com muita dificuldade, que caxinga, manca, coxeia (é coxo), até que nem tanto.
Problema foi, no desenvolvimento da lúdica arrumação, saber - vogando! - a
origem do topônimo "São José (De Assis) do Caxingó das Almas". Por
que nome tão quilométrico para uma comunidade de pouco mais de 20km2 de
extensão? Após debates acalorados e infrutíferos, a dita mestra encostada pelo
INPS (Onorina de Milton Côco) telefonou pra uma tia vitalina, perguntando pela
gênese da denominação, "comprida à moda dia de fome". A octogenária
deu aula de "cidadania", no celular colocado pra todos ouvirem.
-
Foi num dia de São José que João Romão, farinheiro local, fez colar em si, em
tarde abafada, a história de um milagre que, doravante, marcaria a localidade,
de forma mais potente e abençoada. João era coxo de nascença. Contando 60
primaveras, sentia-se demais cansado de andar sustentado em precário par de
muletas. Esgotado, por aquela época, demorava-se mais no fundo da fianga que
sentado. De pé, "necas de Capibaribe!"
O milagre milagroso
Da
rede armada na sala de casa onde repousava, João Romão viu por uma fresta de
porta, no terreiro, uma raposa matreira, detrás duma bananeira, a mirar faminta
a ninhada de pinto de capote dele, ciscando inocente. As muletas estavam a três
metros de João; a raposa, a metro e meio das avinhas d'angola, escondida, num
pé e noutro pra dar o bote. O caxingó grita por alguém, mode espantar o esperto
animal; ninguém ouve. E agora? Na iminência de perpetrar-se o capoticídio, João
apelou à Providência Divina. Pediu fervoroso, quase às lágrimas:
-
Senhor Jesus, fí de Maria concebida sem pecado, não deixa essa malvada pegar
meus pintim, não! Pedido de colega! Opera aí teu milagre, que tem abrangido
tanto caba sem futuro nessa nação, para a graça de todos nós, capotes que somos
nessa hora aflitiva!
E
o milagre, creiam, fez-se naquele 19 de março. Não, o coxo do João não se
levantou da rede e meteu o pé na carreira em busca de espantar a raposa
bandida. Não. As duas muletas de João, como por encanto, é que saíram andando
sozinhas, ziguezagueando porta a fora, tangendo pra bem longe dali o malfazejo
mamífero da família dos canídeos, gênero Vulpes. E os pintins foram enfim
salvos.
Quatro
pessoas das redondezas testemunharam com os olhos que a terra haveria de comer
o leriado das muletas andantes, sem nelas apoiar-se o dono manco. Achou-se, em
princípio, tratar-se de diversão de menino fuleiro. Comprovado o milagre das
muletas perambulantes de João Romão pelo padre De Assis, chamado às pressas ao
local, a partir desse dia São José recebeu por acréscimo o alongado "De
Assis do Caxingó das Almas", para a honra e Glória de Deus Pai, amém!
Papagaio
Essa
é do amigo Agenor. O papagaio do Sérgio Moreira deu em falar palavrão demais
com as visitas. O proprietário da ave palradora explicava: "Zé Nelson
(nome do psitacídeo) agora é morto e vivo no Alto da Balança, brincando de
arraia com a moçada"...
Fonte: O POVO, de 21/10/2022. Coluna “Crônicas”, de Tarcísio Matos. p.2.
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