segunda-feira, 8 de maio de 2023

O QUE NÃO DISSEMOS....

Por Carlos Roberto Martins Rodrigues Sobrinho (Doutor Cabeto) (*)

Há tempo insistem, os amigos, para que eu escreva sobre a pandemia da Covid 19. Afinal, avaliam que conheci a realidade bem de perto, sob vários ângulos, quais sejam como paciente ao ser internado, como médico nas UTIs e nas emergências, além de exercer naquele momento, o cargo de secretário de Saúde do nosso Estado.

No entanto, rejeitei a ideia, talvez devido à minha autocrítica, e também, por não me achar com direito de fazer qualquer julgamento, sem que o tempo acontecesse. Pois, somente assim, somos capazes de prover uma análise mais isenta.

Mas, se o fizesse, iniciaria pelo fim, pela aflição dos inúmeros sequelados, pelas famílias abandonadas, pelas consequências de um comportamento doentio de uma sociedade que rejeita qualquer questionamento, que não demonstra sensibilidade, que se faz no absoluto, no irredutível. Soa como se a dúvida expusesse nossas fraquezas, o que há de medo e insegurança.

Iniciaria pela constatação que apagamos as mortes e os mortos, insistimos em negar as nossas realidades, agora ainda mais evidentes e que foram descortinadas com a pandemia. O sistema de saúde que não funciona e que não transige, que não concilia, não valoriza o trabalho e não acata as necessidades dos pacientes, o gasto público ineficiente (provavelmente é a causa de muitas das nossas mazelas), as cidades que marginalizam a maioria da população, uma sociedade cega mas com "faca amolada ", um sistema de governo que não elabora, não faz mea culpa, quando não representa os interesses da maioria.

Por outro lado, vivi, em meio àquela tragédia humana, uma esperança. Era uma convicção, quase uma certeza, que depois de tudo assistiríamos a uma mudança nas pessoas, quando seriam mais voltadas para o essencial e para a solidariedade, que construiríamos pontes para aproximarmos os políticos e o povo, e enfim, seríamos mais altruístas e dispostos a mudar.

Mas, infelizmente, nada aconteceu! As cidades pioraram, os miseráveis aumentaram e a desconfiança, essa sim, tornou-se absoluta.

Assim, após três anos do início da pandemia, vem a certeza que ainda não é o momento para assistir esse novo mundo. E entender que as mudanças precisam de tempo, de maturidade, até que um dia acontecem.

E que vão sim se apresentar, o mundo e a realidade, com capacidade de análise crítica consequente, percebendo quando precisa mudar, mudar para mudar, mudar porque entende o quanto precisa, mudar sucessivamente para não parecer único e absoluto.

Vamos em frente...

(*) Médico. Professor da UFC. Ex-Secretário Estadual de Saúde do Ceará.

Fonte: Publicado In: O Povo, de 25/03/2023. Opinião. p.19.

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