quinta-feira, 11 de janeiro de 2024

CUIDANDO DO QUE CUIDA

Por Célia Perdigão (*)

Sempre relacionamos muros protegendo nossos lares. Agora numa escala gigantesca. Ávila, na Espanha, e outras cidades medievais europeias seriam as mesmas sem suas muralhas protetoras e cheias de plasticidade? Certamente, não. E por que a alusão? Explicamos. Numa escala menor, o Náutico volta à cena. Livre de uma investida esmagadora, com enormes edifícios em seu terreno, o alvo se volta para os muros. Proposta: alugar outro trecho, demoli-lo e montar uma loja com feição de shopping center.

Temos assistido a reformas/destruições em muros de edificações relevantes sob pretextos questionáveis. Citemos a Escola Jesus Maria José, cujos muros foram deteriorados. Ou o Colégio Doroteias, que trocou o seu original por um modernoso. Ambos tombados. Já o Colégio Imaculada preserva fachada e muros desde sempre. O mesmo se dá na Casa de Câmara e Cadeia de Icó, cujos muros contam sua história desde antes da proteção legal. Os tombamentos auxiliam na preservação de nossa identidade. Mas por vezes, órgãos de proteção não impedem atitudes destrutivas, quando capturados pelo poder econômico. Infringindo sua essência, não têm sensibilidade nas análises, determinando poligonais incompletas - contornos de proteção. O Náutico aí se encaixa.

Imagine o Imaculada sem muro ou abrigando uma cantina? Ou a Câmara de Icó com uma farmácia no muro? Será o futuro do clube. Equívoco técnico com os muros fora da área protegida. Como assim? Eles contornam grande parte do clube e portam seu emblema. Concedem privacidade e compõem o mirante da praia na área das piscinas. Que aberração um muro virar uma vitrine de shopping! Outro símbolo se vai.

O clube passa por dificuldades gerenciais e de conservação. Medidas descaracterizadoras não o trarão ao patamar merecido. O BNB e o Ideal são referenciais de gestão. Esperamos que o órgão local de preservação retifique o tombamento, incluindo os muros e leve o fato a sério. Afinal, muros, muretas, muralhas, presente.

(*) Arquiteta. Especialista em história e conservação de monumentos antigos na França.

Fonte: Publicado In: O Povo, de 2/12/23. Opinião, p.18.

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