Por Carlos Roberto Martins
Rodrigues Sobrinho (Doutor Cabeto) (*)
Desejo nascer
de novo. Só para assistir aos meus amigos que perderam-se no caminho. Quero
crer que gastarei mais tempo desfilando conversas, aquele tempo que achamos não
dispor.
Quando os anos
passarem, nas poucas horas, vou rir a toa das previsões que não aconteceram,
vou esquecer dos medos e das angústias de quem não tem fé. E em certos dias,
daqueles que andamos à toa, quando nos permitimos desviar o tempo, recobrando
as imagens da infância, das ruas de areia, dos poucos sinais, das pessoas no
centro da cidade, das crianças festejando as chuvas, tudo como se fosse ontem.
Assim será esse novo momento, essa passagem.
Resgatarei
algumas lembranças caras. Entre elas, conversas habituais com um amigo de muita
empatia mútua, com alegria em discorrermos sobre os problemas da vida, tentando entender, aprendendo sobre o viver.
Num dia
específico, ainda nesse ano, que já se foi, ele me falou que maturidade é quando nos sentimos confortáveis em somente escutar, mesmo diante das
afirmações que discordamos, as que, ao nosso entender, parecem absurdas. É não
ter interesse em convencer, é sentir-se sereno com o silêncio.
Não concordo,
evidentemente, com todas suas afirmações. Liguei-lhe, simplesmente, para falar da saudade, para deixar clara a minha admiração. E dizer muito obrigado, pedir
desculpas pelas ausências.
Assim, farei o
mesmo com as relações profissionais, entre amigos, e, até, na vida íntima.
É, o tempo
encarrega-se das mudanças e o calar induz transformações. Mas, o mundo precisa que falemos, que declaremos nossas crenças, nossa
afetividade. Também vou fazer tudo mudar, com jeito e delicadeza. Nessa mesma
toada vou pensar, elaborar o cotidiano, compreender e entender que mudar não é
trair, é evoluir ou atrasar. Pouco interessa, o fato de abstrair-se noutra
direção. Pois, implica em mudança, em formular novas ideias, em pensar e sentir
diferente.
Vou nascer
novamente e vou me inquietar. Costuma- se dizer que quando alguém perde outrem
ganha. Refiro-me ao poder de abandonar ou de ser abandonado, tanto na vida pessoal, afetiva ou profissional. Parece-me algo inexorável ao olhar mais
apurado sobre o envelhecimento.
Assim sendo,
quero repetir aos mais próximos que é preciso lembrar sem tristeza. Desejo ser humilde e envelhecer, e, também, envelhecer como um ato de
humildade, minorando as dores do corpo, as dependências para as atividades
diárias e a evidente fragilidade, vestida em cada nova manhã.
Por outro
lado, tenho a percepção racional que a transitoriedade nos dá colo à alma, seda
as nossas angústias, nos desvinculando de padrões e estereótipos.
Nessa semana,
última, dediquei-me a cerrar os olhos para transpor o tempo, para ser fiel,
para fortalecer a missão e consolidar valores eternizados nas nossas memórias.
Percebendo,
sim, um envelhecer que é sim andar devagar, mas, ainda mais,
compreender. A meu ver é saber, ver e escutar. E raramente, convencer.
(*) Médico. Professor da UFC.
Ex-Secretário Estadual de Saúde do Ceará.
Fonte: Publicado In: O Povo, de 30/12/2023. Opinião. p.29.
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