Por Izabel Gurgel (*)
Uma mulher ao tear. Tem brilho o que ela tece. Cor de bronze velho.
Uma outra, à beira do forno na casa de farinha, cuida de uma das últimas etapas
do processo, a torra da massa da mandioca. Ao pilão, outra mulher quebra o
milho. Juntinho ali um vasilhame com grãos de café, esperando a vez. Em uma
urupemba, ou urupema, peneira-se o milho pilado. Galinhas e capotes por perto.
Visito a lapinha iniciada em 1947 por Dona Mundinha, no Mucuripe,
na mesma casa onde mora desde o casamento com Zé da Florinda, no ano anterior.
Vejo e migro, de uma cena à outra, ali, imersa no cinema feito a mão, por
tantas mãos. É um elogio às manualidades, à orquestração quase sempre invisível
do cotidiano. Presto atenção.
Olho como quem lê. A criatura leitora (re)escreve o que lê, toma
notas, literalmente ou na imaginação; labora, fabula, vive (n)a leitura. Um
homem corta madeira, fazendo ver as achas de lenha. O fogo é tão imprescindível
quanto o sol. No engenho movido pelo boi, onde se vê a garapa da cana fluindo
para o balde; na casa-oficina do ferreiro, na qual estão dois homens tão
aplicados ao ofício quanto Dona Mundinha ao fazer a renda bordada ou o bordado
rendado de nome labirinto. Ofício que aprendeu criança, presente no Mucuripe de
então como a terra e o mar para quem ali vivia. É preciso forjar a própria
existência, sabemos.
Feito a aranha costureira do Reino das Águas Claras, do sítio do
Pica-pau-amarelo, exímia no que faz pela prática cotidiana de fazer, Dona
Mundinha sabe, sentindo, o que diz a lapinha que começou a maquinar tão logo
viu uma na casa de uma vizinha. Conta-nos que tinha uns cinco anos e, em
dezembro, todos os dias estava lá para ver melhor, perguntando, sobre cada
coisa vista. Ah, as perguntas das crianças. Honrou a promessa que fez a si
mesma de ter uma em casa, tão logo tivesse sua própria casa.
Tudo que é vivo está em movimento. Um homem pesca de anzol; outro,
de barco. Tem moinho de vento, catavento. Bichos de criação, de montaria,
plantação e colheita e fartura. Penso, então, nas poucas pinturas vistas de
outra Mundinha do Mucuripe. O rio|riacho Maceió vívido na tela, fecundo como a
floresta de cajueiro em cujas folhas Mundinha, a pintora, então criança,
desenhava com espinhos, materializando a imaginação que as mãos davam a ver.
Quer visitar a lapinha no Mucuripe? Fica na rua Senador Machado,
290. Antecipe os parabéns: Dona Mundinha vai fazer 100 anos em abril de 2024.
Combine a visita com a filha Antonieta, pelo telefone 99612.1857.
Conhece mais presépios e lapinhas em Fortaleza e outras cidades do
Ceará? Conta pra mim.
Icó, vc sabe, é a cidade-lapinha. Juazeiro tem um, nos fundos da
Matriz, que traz histórias da cidade. Na Ceart da Aldeota, mais de 40 compõem a
exposição do concurso anual. O resultado sai quinta, dia 14. Como um bocado
está à venda, quem compra quer logo levar para casa. Então vá ver antes. Comece
pelo menor, o do Elias, miniatura das miniaturas. Vive em uma lâmpada, cabe na
palma da mão, e tem quatro pés de carnaúba bordados por mãos bentas.
(*) Jornalista de O Povo.
Fonte: Publicado In: O Povo, de 10/12/23. Vida & Arte, p.2.
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