sexta-feira, 22 de novembro de 2024

Crônica: “Nem sempre quando chega ao fim termina...” ... e outros causos

"Nem sempre quando chega ao fim termina..."

Tantas Quilimero fez que a Dalvinha cansou, dizendo - com todas as letras - NÃO ao casamento de 10 anos. Sabedor da psicologia quase infalível de sua mãe, Tonha de Dandão, o moço atordoado agora correu em busca de orientações, sabedor de quanto a genitora entendia da psicologia feminina no uso de um certeiro chega-bom-basta!

De uns dias pra cá, Quilimero vivia às brigas com a esposa - ciúme lançando flechas. Tonha sabia das bandalheiras do filho, "fino pulador de cerca, um rabo de burro na forma da lei". Dalvinha dizia não adiantar mais o Quilimero "vir com agrados", jurar de pés juntos que mudou, que não mais beberia, que era o fim das raparigagens.

Tonha de Dandão alertava o filho para o fato de as mulheres serem diferentes dos homens - mais seguras nas decisões. Que não era não e brá, justificando sábia e braba:

- Um caba véi da tua marca pode até falar que não quer mais a criatura lá, mesmo assim fica naquele estica-encolhe.

- Mãe, e se eu for bem jeitoso?

- Quando dizemos não, Quilimero, é não! Eu tiro por mim!

- E seu eu contar pra ela que vou ganhar sozinho na mega-sena uns 840 mil rial?

- Tome tento! Um pneu não é um pneu? Pois pra nós, um não é um não!

- E se eu disser que nós vamos dar uns passeios pela Europa, Estados Unidos, Japão?

- Abra do olho, filho! Disso eu entendo! Teu pai foi uma escola!

- Mãe, e se daqueles 840 mil que vou ganhar eu der metade pra senhora?

Aguça o interesse malicioso e cordial de Tonha de Dandão, levando-a a ponderar:

- Aí 'vareia'! Por exemplo: nos passeios que tu falou aí, tu me levava pradonde?

- Pro Crato!

- Ah!!! Sendo assim, nem sempre quando chega ao fim termina! Vá lá e diga a Dalvinha que tu agora é um santo!

Rasgando dinheiro que nem ganhou

A ideia de ganhar grana boa na mega-sena tomou corpo e Quilimero já começou a gastar, ele que sequer fazia apostas. Emprestava - só de boca - 50 mil a um, 60 mil a outro. Um sobrinho que largara os estudos pra colocar um comércio de polpa de frutas ("Da pitomba ao caqui") soube da dinheirama do filho de Tonha e se achegou, na maior cara de pau simpática.

- Tio, parabéns pelos 840 mil que o senhor vai ganhar na mega-sena! Quero o senhor por meu sócio numa indústria de polpa.

- Quanto tu precisa?

- 710 mil rial. Rola?

- Meu dinheiro não é hemorroida pra dar em qualquer caneco!

Modernidade primitiva

O velho Bastião no aeroporto Internacional Pinto Martins. Primeira viagem de avião na vida. Ia pra São Paulo, na companhia de filha cheia da bufunfa. 'Beradêro' saído direto do mato, o gigantesco ambiente não lhe cabia no entendimento. Tudo superlativo, grande demais, novo, intraduzível, quase uma mentira. Bateu a vontade de urinar. Bastião afasta o chapéu, coça a cabeça e, sem jeito, pergunta ingênuo a Marinalva amorosa:

- Fia, tem banheiro aqui pra dar uma mijadinha?

- Pai, isso aqui é um aeroporto internacional!!! Tem de tudo, meu amor!!! Além do banheiro, que mais meu bebê quer?

- Uns carocim d'água de pote mode matar a sede.

Fonte: O POVO, de 4/10/2024. Coluna “Crônicas”, de Tarcísio Matos. p.2.

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