"Nem sempre quando chega ao
fim termina..."
Tantas
Quilimero fez que a Dalvinha cansou, dizendo - com todas as letras - NÃO ao
casamento de 10 anos. Sabedor da psicologia quase infalível de sua mãe, Tonha
de Dandão, o moço atordoado agora correu em busca de orientações, sabedor de
quanto a genitora entendia da psicologia feminina no uso de um certeiro
chega-bom-basta!
De
uns dias pra cá, Quilimero vivia às brigas com a esposa - ciúme lançando
flechas. Tonha sabia das bandalheiras do filho, "fino pulador de cerca, um
rabo de burro na forma da lei". Dalvinha dizia não adiantar mais o
Quilimero "vir com agrados", jurar de pés juntos que mudou, que não
mais beberia, que era o fim das raparigagens.
Tonha
de Dandão alertava o filho para o fato de as mulheres serem diferentes dos
homens - mais seguras nas decisões. Que não era não e brá, justificando sábia e
braba:
-
Um caba véi da tua marca pode até falar que não quer mais a criatura lá, mesmo
assim fica naquele estica-encolhe.
-
Mãe, e se eu for bem jeitoso?
-
Quando dizemos não, Quilimero, é não! Eu tiro por mim!
-
E seu eu contar pra ela que vou ganhar sozinho na mega-sena uns 840 mil rial?
-
Tome tento! Um pneu não é um pneu? Pois pra nós, um não é um não!
-
E se eu disser que nós vamos dar uns passeios pela Europa, Estados Unidos,
Japão?
-
Abra do olho, filho! Disso eu entendo! Teu pai foi uma escola!
-
Mãe, e se daqueles 840 mil que vou ganhar eu der metade pra senhora?
Aguça
o interesse malicioso e cordial de Tonha de Dandão, levando-a a ponderar:
-
Aí 'vareia'! Por exemplo: nos passeios que tu falou aí, tu me levava pradonde?
-
Pro Crato!
-
Ah!!! Sendo assim, nem sempre quando chega ao fim termina! Vá lá e diga a
Dalvinha que tu agora é um santo!
Rasgando dinheiro que nem ganhou
A
ideia de ganhar grana boa na mega-sena tomou corpo e Quilimero já começou a
gastar, ele que sequer fazia apostas. Emprestava - só de boca - 50 mil a um, 60
mil a outro. Um sobrinho que largara os estudos pra colocar um comércio de
polpa de frutas ("Da pitomba ao caqui") soube da dinheirama do filho
de Tonha e se achegou, na maior cara de pau simpática.
-
Tio, parabéns pelos 840 mil que o senhor vai ganhar na mega-sena! Quero o
senhor por meu sócio numa indústria de polpa.
-
Quanto tu precisa?
-
710 mil rial. Rola?
-
Meu dinheiro não é hemorroida pra dar em qualquer caneco!
Modernidade primitiva
O
velho Bastião no aeroporto Internacional Pinto Martins. Primeira viagem de
avião na vida. Ia pra São Paulo, na companhia de filha cheia da bufunfa.
'Beradêro' saído direto do mato, o gigantesco ambiente não lhe cabia no
entendimento. Tudo superlativo, grande demais, novo, intraduzível, quase uma
mentira. Bateu a vontade de urinar. Bastião afasta o chapéu, coça a cabeça e,
sem jeito, pergunta ingênuo a Marinalva amorosa:
-
Fia, tem banheiro aqui pra dar uma mijadinha?
-
Pai, isso aqui é um aeroporto internacional!!! Tem de tudo, meu amor!!! Além do
banheiro, que mais meu bebê quer?
-
Uns carocim d'água de pote mode matar a sede.
Fonte: O POVO, de 4/10/2024. Coluna “Crônicas”, de Tarcísio Matos. p.2.
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