domingo, 3 de novembro de 2013

MORTES NA UTI



Um cardiologista dava plantão noturno em um hospital de Fortaleza. O plantão estava muito movimentado devido ao acúmulo de pacientes de maior gravidade, o que demandava cuidados permanentes da equipe de plantão, com várias intercorrências sucessivas. Às 21 horas, faleceu o paciente do leito 1 e às 23h, a paciente internada no leito 3; nos primeiros minutos, após a meia-noite, o paciente do isolamento (leito 7) sucumbiu, e, meia hora depois, o doente, hospitalizado no leito 5, veio a óbito, deixando sozinha, na UTI, uma senhora que fora admitida no leito 2, logo no início do plantão, posto que os leitos 4 e 6 ainda estavam desocupados.
A paciente sobrevivente, que a tudo assistia, desde as manobras ressuscitatórias até o preparo e a remoção dos corpos, não conseguia conciliar o sono. Por volta das três da madrugada, o cardiologista nota que a paciente está encolhida, toda enrolada no lençol, expondo apenas um pouco do rosto.
Ao aproximar-se dela, crendo que estava com frio, percebe que ela pronuncia, repetidamente, uma jaculatória:
– “Oh! Maria, concebida sem pecado / rogai por nós que recorremos a vós”.
A paciente ao vê-lo, tão pertinho, inocentemente, indaga:
– É assim mesmo, doutor? Alguém escapa dessa UTI, quando o senhor tá de plantão?
Naturalmente que, por conta disso, esse médico, injustamente, carrega até hoje a fama de “pé-frio”.
Marcelo Gurgel Carlos da Silva
Da Sobrames-CE e da ABRAMES
* Publicado In: SOBRAMES – CEARÁ. Letras que curam. Fortaleza: Sobrames-CE/Expressão, 2013. 328p. p.223.

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