Você, leitor, provavelmente
nunca teve o privilégio de parar de trabalhar e, mesmo assim, continuar
recebendo o salário integral na data correta. É o que acontece agora com os
professores das universidades federais. Desde 17 de maio, eles estão em greve. Pararam de
dar aulas e continuam recebendo seus salários. Igualmente grave é sermos nós,
contribuintes, que pagamos o salário de quem não trabalha. É um absurdo em cima
de outro absurdo. Os professores grevistas, em sua maioria, concluíram o
doutorado, ao passo que a grande maioria dos brasileiros jamais pôs os pés num curso
de graduação. Os doutores são uma minoria ínfima de nossa população adulta. A
minoria mais qualificada do ponto de vista formal e, portanto, mais preparada
para obter recursos com o próprio mérito. Mas não querem isso.
Preferem mais impostos. Sim, pois,
caso o governo ceda às reivindicações dos grevistas remunerados, terá de
aumentar os impostos, uma vez que elas resultariam em mais gastos. Parece
piada: aumentar impostos para destinar mais recursos a uma minoria que tem o
doutorado completo e reivindica por meio de greves remuneradas.
Fui professor da Universidade
Federal Fluminense entre 1992 e 2005 e nunca fiz greve. Aprendi na própria
universidade federal que as greves são inúteis. Não pressionam o governo, não
atingem seus objetivos e apenas prejudicam os alunos. A greve é só de aulas. Os
professores não param de fazer suas pesquisas, não deixam de ir a seminários
científicos – nunca recusam viagens pagas pelo contribuinte – nem deixam de
enviar seus relatórios de pesquisa aos órgãos de financiamento. Se fizerem
isso, podem perder a bolsa de produtividade em pesquisa, o que é equivalente ao
ponto cortado. Só há um prejudicado com a greve: o estudante.
Greves são situações de conflito
em que os trabalhadores param com a finalidade de pressionar os patrões a
negociar. Obviamente, toda greve precisa impor prejuízos aos patrões. É o que
ocorre em qualquer empresa privada. Quando os operários do setor
automobilístico param, a produção de carros despenca e, com ela, cai a
capacidade de vendas da empresa, sinônimo de prejuízo. Os patrões sentam-se
então à mesa para negociar. A disposição de ceder aumenta à medida que os
prejuízos crescem.
Os professores doutores
grevistas remunerados não impõem nenhum prejuízo ao governo federal. Pararam de
dar aulas, e isso não reduz a arrecadação, não leva à queda da popularidade de
Dilma nem faz cócegas em
Brasília. Os responsáveis por aumentar nossos impostos para
atender à reivindicação dos grevistas apenas ouviram falar que os estudantes
das federais estão sem aula. Não há poder de pressão.
Exatamente por isso, e porque o
governo não corta o ponto, trata-se de um movimento que tende a se alongar. Já
se passaram 45 dias. No passado, as greves começavam anualmente com data
marcada, sempre em maio. O
único limite é o tempo de reposição das aulas. Como há aproximadamente três
meses anuais de férias universitárias, elas não duram muito mais que três
meses. Tampouco alcançam seus objetivos. Antes de 2005, houve mais de dez anos
consecutivos de greves remuneradas com data marcada. Em dez anos, não houve
melhora visível das universidades federais.
Entre 2005 e 2010, o orçamento
das 57 universidades federais aumentou 120%, sem contar os gastos com
aposentados e pensionistas. Elas receberam quase R$ 20 bilhões em 2010, de acordo
com o Ministério da Fazenda. No mesmo período, as vagas para estudantes de
graduação cresceram somente 58%, segundo o Ministério da Educação.
Para os grevistas, só não é pecaminoso o dinheiro que vem
do Tesouro Nacional – do nosso bolso.
Os professores grevistas têm a
obrigação de prestar contas a nós, contribuintes, acerca das razões do
descompasso entre o aumento de 120% no orçamento e de 58% das vagas. Dados do
Ministério da Educação revelam que, em 2010, as federais ofereceram 938 mil
vagas para graduação. Entre 2001 e 2010, as federais não conseguiram dobrar as
vagas em cursos de graduação, ao passo que as privadas saíram de 2 milhões de
vagas para 4,7 milhões.
Os professores das federais são
contra salas de aula com 100 ou 200 alunos. Defendem poucos alunos, sob o
argumento elitista de que, para treinar bem, é preciso poucos estudantes em sala. Mas o Brasil
precisa massificar o ensino universitário, não elitizá-lo. Estudei na London
School of Economics (LSE) e frequentei salas de aula com mais de 100 alunos. A
LSE forma melhor que qualquer uma de nossas federais e suas salas com poucos
alunos.
Os professores doutores
grevistas remunerados também afirmam que os tais 120% a mais foram destinados à
pesquisa. Mas os principais centros de pesquisa das universidades públicas não
entram em greve e obtêm recursos adicionais por meio de contratos com empresas.
Os professores grevistas atacam os professores que buscam vender pesquisas para
empresas, acusando-os de “privatistas” e “neoliberais”. Para os grevistas, só
um tipo de recurso não é pecaminoso e assegura a independência acadêmica:
aquele que vem do Tesouro nacional – do nosso bolso.
A greve remunerada é sinal de
que nossos governantes não têm ainda a coragem necessária para enfrentar o
professor funcionário público. O governo optou pela solução tipicamente
brasileira: não entrar em conflito com os grevistas remunerados e deixar o
sistema universitário privado crescer. Vai demorar um pouco, mas é inevitável:
as universidades privadas passarão a atuar também em pesquisas científicas de
ponta. Já tomaram o lugar das federais na formação de alunos, tomarão também na
pesquisa científica. O contribuinte agradecerá.
ALBERTO CARLOS ALMEIDA é
cientista político, autor dos livros A cabeça do brasileiro e O
dedo na ferida: menos imposto, mais consumo.
Fonte: Época. Nº 737, de 2 de julho de 2012. p.12-3.
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