Por Paulo Elpídio de Menezes Neto (*)
Traço simpático do caráter brasileiro
está na capacidade de rir de suas dificuldades, zombar das pequenas-grandes
tragédias de sua vida como povo e nação, de recobrir as maldades, a
desonestidade e a inépcia dos agentes do poder com o manto irônico da anedota.
Essa engenharia de catarse de fuga dá-nos a capacidade de transformar certezas
em dúvidas, crimes em virtudes, faltas em tropeços. E de reduzir a hipocrisia
do homem público (sem as mentiras, as verdades não existiriam...) a metáforas
do bem fazer, por obsequiosa renúncia da consciência.
As oposições e contraposições internas
dos atores públicos e do que seja lá o que politicamente representam buscam,
nas horas mais frementes dos embates, a conciliação, a conveniência tranquilizadora
dos acertos, das alianças feitas, historicamente, “por cima”, bem ao gosto das
elites e de suas ambições patrióticas. Ou pelas estreitas convergências
corporativas e sindicais.
Quão legítima pode apresentar-se um sistema
partidário tomado de assalto por 26 partidos, carecidos de projetos e
lideranças, recolhidos a clubes de interesses ou em incestuosas relações
familiares que compartilham o Fundo Partidário, as contribuições privadas, os
“lobbies” militantes – e os bens do Estado? A vida pública brasileira é
percebida por parte substancial da população dotada de consciência política
como o espaço de simulacros e estratagemas. A quem aproveitará esse mal-estar e
o descrédito causado pelos atores políticos e a perda de confiança nas
instituições públicas?
Chegamos a um ponto crítico da curva
de nossa vida política quando a aparência suplanta a realidade. Os atores
públicos perderam, no Brasil, o “script” de seus papéis: o discurso político
tornou-se, entre nós, exemplo de banalização da inépcia e da negação da
verdade. Apagou-se o equilíbrio da retórica política: a lógica e a gramática
foram esmagadas nos tropos da fala dos agentes do Estado, a metáfora e a
metonímia transformaram-se em figuras de insulto pessoal. Desrespeitam-se as
instituições e os procedimentos legais; instrumentos normativos subalternos
sobrepõem-se à Carta das regras fundamentais, criam-se conselhos populares em
desrespeito ao princípio democrático e republicano da representação e do
mandato. Eleições foram reduzidas a um contrato de gaveta, quando não a um
estelionato de índole fiduciária.
Georges Smiley, personagem de John Le
Carré (“O Espião que veio do frio”), assiste da janela da sua sala, quando o
nazismo dava seus primeiros passos triunfantes, estudantes da juventude
hitlerista atirando livros da biblioteca a uma fogueira, no pátio da
universidade. Nada pôde fazer, a não ser ficar fumando, com aquela alegria
selvagem de quem descobriu, por fim, o inimigo.
Ficaremos nós, à janela, assistindo temerosos
e convenientes ao nascimento de novos inimigos e da persistência dos velhos,
desta “pátria tão pobrinha”, “...uma ilha Brasil, talvez”, nas palavras ternas
de Vinicius? Assim, contraídos, na passiva e frustrante posição de um “coitus
politicus interruptus”?
(*) Cientista
político. Membro da Academia Brasileira de Educação e do Instituto do Ceará.
Fonte: O
Povo, 6/04/16. Opinião, p.10.
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