Bênção atravessada
“Fiofó de calango, ouviu falar? Foi a
modalidade de conversa que ouvi num ônibus Parangaba/Náutico. Aquilo é lá modo
de falar do Divino! Mas, antes de examinar a expressão verbal torta do fariseu
em tela, que entra pela traseira do coletivo e pede que alguém lhe franqueie a
passagem, conto doutro sujeito que, à moda aquele, é também cheio de nove
horas. Adentrou puxando um menino pelas bitacas, chamando ele de “nó cego”. E o bichim golfando frases
criadas, no colo do pai:
- Bó, negada! Esmolinha aqui p’apainho! Ou dá ou desce!
Em nome de Deuso!!!Estica, irmão!!!
Voltando pastor às avessas do
introito desta missiva (escrita à mão na Rodoviária João Tomé), vamos ao fuá
que presenciei. Tinha já o pastor de agá cruzado a roleta quando, faminto,
observou um estudante chupando agarradamente algo que continha lascas de coco,
e disparou esgalamido:
- Amado, em Atos – versículo 1 está escrito: “Que o teu
dindim sirva para suavizar a sede dos teus irmãos nos desertos do pecado...” Ou
serás tratado como o coqueiro seco da parábola do Mestre!
Ganhou o restinho de dindim do
jovem passageiro. A seguir, pediu salva de palmas pra Deus, presente no aluno
do IFCE. No exato instante, a tripulação era acrescida da mais linda entre
todas as passageiras da cidade: morenaça de endoidar cristão com mil e seis
demônios. O pregador, um olho na missa e outro na moça, murmura:
- Pai, afasta de mim essa coisa! Ah, tentação! Vigiai e
orai, fila da mãe!...
E mirando fixamente os quartos da
beldade fardada, pede encarecidamente:
- Uma salva de palmas para o criador dos animais!
Assina, JAIR DE MORAIS MOURA”
Voto que não elege
O pai desempregado, na sala, folheia publicação
religiosa. À certa altura, lê em voz alta, para o filhinho ao lado, trecho que
tem tudo a ver com o momento vivido:
- O voto de pobreza nos liberta da avidez do acúmulo, da
sede insaciável de ter o mais possível, o melhor e logo, porque encontramos
nossa “suficiente riqueza”...
O pivete invocado “urubuserva”
tudo, e quer falar. Mas o pai torna à leitura, dirigindo-se ao inteligente
garoto:
- O voto de pobreza nos protege contra qualquer tipo de
posse. Viva o voto de pobreza!
O menino não aguentou.
- Voto de
pobreza é pra quem pode, pai. No teu caso, é voto de liseira!
Os meninos do Antônio
Pense num caba trabalhador! Só um pouco brabo. E aí,
segurando as mãozinhas dos gêmeos de 3 anos na calçada de casa, espera o
transporte escolar que levará os bichinhos ao educandário. 51 minutos ali
plantados, perto das 13 horas, e nada de a kombi chegar. Antônio esculhamba,
vocifera, manda o mundo praquele canto.
Até que a vizinha moralista,
atordoada com tantos palavrões e gestos obscenos, liga pra polícia. Em cinco o
carro chega. Da polícia.
Nesse dia, os meninos do Antônio
faltaram.
Fonte:
O POVO, de 2/09/2017. Coluna “Aos Vivos”, de Tarcísio Matos. p.8.
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