“Aqui vale mentir, só não vale acreditar”
O
pensamento está afixado no bar do Paulinho (Tibúrcio Cavalcante com Alves
Teixeira), onde a moçada se encontra pra contar as lorotas mais cabeludas,
reproduzindo, quiçá, o fenômeno que a mundiça cearense batizou de Cajueiro da
Mentira ou Cajueiro Botador - "árvore que ficava na Praça do Ferreira,
pelo lado da Rua Floriano Peixoto, à sombra do qual, todo 1º de abril, havia
sessão de mentiras e, em seguida, a eleição do maior mentiroso do ano".
(Enciclopédia da Fala Cearense)
Quem
nos traz essas novidades é o amigo Honorato, que ainda na temática da
"afirmação que não corresponde à verdade, feita com a intenção de
enganar", explica que certa feita indagou o bispo do Crato acerca dessas
coisas que deixam esbranquiçadas as unhas de quem as pronuncia.
-
Dom Gilberto, é verdade que minha mãe (filha de Maria) dizia que mentir combinado
não é pecado?
-
Verdade, meu filho. Só é pecado mentir sem combinar... Quer um exemplo?
-
Diga, não entra na "caxola" uma arrumação dessas!
-
Zé de Alencar! A índia descia a Serra da Ubajara, lavava o cabelo na lagoa da
Messejana, voltava pra trás, tornava a subir a serra e ainda dava tempo fazer a
tapioca do guerreiro chefe!
-
Faz sentido...
-
Nem de teco-teco era possível! A questão é que Zé combinou!
-
Com quem?
-
Com a técnica literária! Não tem um erro de português!
Eiágua!!!
Besta
quem bota fé na pabulagem desse povo exagerado, que dispara a mentira mais
braba do mundo com a maior naturalidade, e se enfeza se alguém fizer cara de
desconfiança. Prestenção, por exemplo, ao converseiro medonho que vi nas redes
sociais (@meupaisceara) envolvendo cinco compadres, comentando sobre chuva
muita, enchentes, arrombamentos, inverno. De Noé se encabular, sentir-se
neófito em matéria de dilúvio (pedir pra obrar e sair "distrenado").
Um a um eles soltam as suas.
1º
sujeito: "Oriel, aqui no Iguatu deu um trovão tão grande que desatou os
punhos de uma rede, tu acredita?"
2º
mentiroso: "O negócio dessas chuvas aí eu não duvido não, porque é chuva
com força. Pra tu ver, aqui em Areia Branca, a chuva foi tão forte que a creche
lá do Mutirão passou em frente à minha casa, cheia de menino dentro, gritando.
A chuva arrancou a creche, até Paulim, menino de minha sobrinha, ia dentro. Ave
Maria, é chuva!"
3º
camarada: "Não é mentira não, acontece! Eu vim-me embora de Pinheiro, na
sexta-feira à noite, e mamãe me disse que ontem deu um trovão com relâmpago
(tão forte) que amadureceu as siriguelas verde tudim dos pé, duma vez."
4º
loroteiro: "Aí tá chovendo, é? Pois bom tá é aqui, que já escureceu. Deu
um relâmpago tão marrumeno que foi meia hora de céu claro, parecia que tinha
amanhecido o dia. Os galo subindo no poleiro pra cantar, pensando que tinha
amanhecido o dia de novo. Aqui tá chovendo demais. Passou um jumento no teto
duma Kombi, boiando e rinchando, eu tentei jogar a tarrafa pra pegar o bicho,
mas não consegui não..."
5º
potoqueiro: "Isso é lá chuva, menino! É chuva pequena! Chuva grande deu em
Sobral. A chuva foi tão grande que um trem passou boiando e eu pensei que fosse
uma jiboia. Era todo mundo correndo com um pau pra matar essa cobra, mas era um
trem..."
Fonte: O POVO, de 18/03/2022. Coluna “Crônicas”, de Tarcísio Matos. p.2.
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