sexta-feira, 25 de março de 2022

Crônica: “Aqui vale mentir, só não vale acreditar” ... e outro causo

“Aqui vale mentir, só não vale acreditar”

O pensamento está afixado no bar do Paulinho (Tibúrcio Cavalcante com Alves Teixeira), onde a moçada se encontra pra contar as lorotas mais cabeludas, reproduzindo, quiçá, o fenômeno que a mundiça cearense batizou de Cajueiro da Mentira ou Cajueiro Botador - "árvore que ficava na Praça do Ferreira, pelo lado da Rua Floriano Peixoto, à sombra do qual, todo 1º de abril, havia sessão de mentiras e, em seguida, a eleição do maior mentiroso do ano". (Enciclopédia da Fala Cearense)

Quem nos traz essas novidades é o amigo Honorato, que ainda na temática da "afirmação que não corresponde à verdade, feita com a intenção de enganar", explica que certa feita indagou o bispo do Crato acerca dessas coisas que deixam esbranquiçadas as unhas de quem as pronuncia.

- Dom Gilberto, é verdade que minha mãe (filha de Maria) dizia que mentir combinado não é pecado?

- Verdade, meu filho. Só é pecado mentir sem combinar... Quer um exemplo?

- Diga, não entra na "caxola" uma arrumação dessas!

- Zé de Alencar! A índia descia a Serra da Ubajara, lavava o cabelo na lagoa da Messejana, voltava pra trás, tornava a subir a serra e ainda dava tempo fazer a tapioca do guerreiro chefe!

- Faz sentido...

- Nem de teco-teco era possível! A questão é que Zé combinou!

- Com quem?

- Com a técnica literária! Não tem um erro de português!

Eiágua!!!

Besta quem bota fé na pabulagem desse povo exagerado, que dispara a mentira mais braba do mundo com a maior naturalidade, e se enfeza se alguém fizer cara de desconfiança. Prestenção, por exemplo, ao converseiro medonho que vi nas redes sociais (@meupaisceara) envolvendo cinco compadres, comentando sobre chuva muita, enchentes, arrombamentos, inverno. De Noé se encabular, sentir-se neófito em matéria de dilúvio (pedir pra obrar e sair "distrenado"). Um a um eles soltam as suas.

1º sujeito: "Oriel, aqui no Iguatu deu um trovão tão grande que desatou os punhos de uma rede, tu acredita?"

2º mentiroso: "O negócio dessas chuvas aí eu não duvido não, porque é chuva com força. Pra tu ver, aqui em Areia Branca, a chuva foi tão forte que a creche lá do Mutirão passou em frente à minha casa, cheia de menino dentro, gritando. A chuva arrancou a creche, até Paulim, menino de minha sobrinha, ia dentro. Ave Maria, é chuva!"

3º camarada: "Não é mentira não, acontece! Eu vim-me embora de Pinheiro, na sexta-feira à noite, e mamãe me disse que ontem deu um trovão com relâmpago (tão forte) que amadureceu as siriguelas verde tudim dos pé, duma vez."

4º loroteiro: "Aí tá chovendo, é? Pois bom tá é aqui, que já escureceu. Deu um relâmpago tão marrumeno que foi meia hora de céu claro, parecia que tinha amanhecido o dia. Os galo subindo no poleiro pra cantar, pensando que tinha amanhecido o dia de novo. Aqui tá chovendo demais. Passou um jumento no teto duma Kombi, boiando e rinchando, eu tentei jogar a tarrafa pra pegar o bicho, mas não consegui não..."

5º potoqueiro: "Isso é lá chuva, menino! É chuva pequena! Chuva grande deu em Sobral. A chuva foi tão grande que um trem passou boiando e eu pensei que fosse uma jiboia. Era todo mundo correndo com um pau pra matar essa cobra, mas era um trem..."

Fonte: O POVO, de 18/03/2022. Coluna “Crônicas”, de Tarcísio Matos. p.2.

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