Por Izabel Gurgel (*)
A transparência da sala de espetáculo alonga o Theatro José de
Alencar de 1910. Dá para ver a rua estando no palco principal, como costumamos
repetir. Ao longo de suas múltiplas vidas, o TJA se expandiu também para os
lados. Incorpora o primeiro projeto de jardim na década de 1970; o segundo,
conhecemos desde a reabertura do teatro, em janeiro de 1991, depois de um
processo de restauro (tão necessário e urgente à época quanto hoje). É quando
vai surgir também o Centro de Artes Cênicas do Ceará Padaria Espiritual, o
Cena, o 'anexo'.
Em Porto Alegre, o Teatro São Pedro foi crescendo nas laterais e
fundos, ganhando área de lazer e convívio, com restaurante e um serviço de
estacionamento integrados à vida da cidade, e não só do teatro. O Municipal do
Rio de Janeiro incorporou uma plataforma móvel para facilitar entrada e saída
de material de cena. A porta de acesso à plataforma dá para uma rua estreita.
Atualizações do Municipal do Rio levaram o serviço de bilheteria para um prédio
vizinho, integrado às rotinas administrativas da casa por uma passarela aérea.
Bilheterias ficam no térreo. A elas se chega pela rua dos fundos do teatro, a
mesma rua estreita para entrada e saída de carga. Detalhes quase invisíveis ao
público dizem respeito aos usos e ocupações dos espaços.
A necessidade de criar 'anexos' cruza a história recentes desses
teatrões. Teatrões também modificaram suas áreas de bastidores. A caixa cênica
do Zé de Alencar era outra ao final do segundo e último restauro. São
modificações com tempo de uso limitado, sabemos. Novas práticas, novos modos de
pensar e fazer requerem uma maior plasticidade desses teatros para
funcionamento à altura da potência que têm.
Quando o TJA entra em obra em 1913, por exemplo, para receber a
iluminação através da energia elétrica, não era só o sistema de iluminação a
gás que estava sendo trocado. O que chamamos TJA talvez seja uma série - não no
sentido de sucessão, mas de multiplicidade, de variedade - de experiências de
vida em comum que dão densidade e robustez, mas também fragilidade e
vulnerabilidade à vida da edificação e da instituição. Ou que nela se
expressam. O mundo social manifesto em força, vigor e graça, mas também penúria
e desmantelo.
Vigor e graça como no passeio pelo jardim, quinta última, mediado
pela educadora Vilani Moreira Barbosa, que já atuou como guia verde no TJA.
Vila gosta de repetir uma história. Bando aceso de crianças em visita ao
teatro, programa escolar. Além do microclima que áreas vegetais nos oferecem,
havia aspersores ligados no jardim. No calor da tarde, um menino de pé sobre o banco
de concreto abre os braços, levanta a cabeça em direção ao céu, fecha os olhos
e usufrui da água-sereno-sobre-si, perguntando, com sorriso até os joelhos:
"Tia, o que é isso que estou sentindo?".
Bonito pensar na potência de vida de lugares públicos como o TJA,
não é? Podem ser lugares extraordinários para visitantes, mas estão cheios de
cotidiano. E cotidiano requer sustentação, sabemos, todos os dias.
(*) Jornalista de O Povo.
Fonte: Publicado In: O Povo, de 20/08/23. Vida & Arte, p.2.
Nenhum comentário:
Postar um comentário