Por Izabel Gurgel (*)
Babuda e Odonézio moram na rua Chico Tartaruga. Ela faz a renda
bordada ou o bordado rendado de nome labirinto. Desenha (nas) passagens do ar.
Como ela própria conta às visitas, o labirinto é feito nos vazios criados em um
tecido que, desfiado, foi desfeito para receber desenhos da flora e da fauna, o
pensamento em movimento, materializando-se na dança das mãos. Riscado a lápis,
abertas as passagens com gilete ou tesoura, o tecido está pronto para o
trabalho com linha e agulha. Babuda aprendeu o ofício ainda criança.
Odonézio é escultor. Ele encontra na madeira santos e divindades,
deixando-os à mostra. Inventa, solta, lança aos nossos olhos bichos da
imaginação. Você passa na rua e Odonézio está à entrada de casa, na calçada,
sentado com um toco de madeira às mãos, ou em pé na sala, fazendo florescer
mundos na madeira.
Babuda e Odonézio moram na rua de maior fluxo de saída de carro da
outrora vila, hoje com mais de cinco mil habitantes. Chico Tartaruga
(1916-1990), como Babuda e Odonézio, também vivia com a inteligência nas mãos.
Há quem guarde, talvez, armação de óculos tão manualmente feitos por ele como
os bolos que Adolfo Alves dos Santos (2019-2000) vendia de casa em casa,
deslocando-se na areia acesa pelo sol. Babuda é filha de Seu Adolfo. Você pode
vê-lo na pintura da parede da sala, como visitantes de Canoa o conheceram em um
outro momento da vida dele e do lugar. Seu Adolfo em casa, à beira do fogo,
fazendo tapioca.
A casa é um ateliê, oficina, um modo vivo, se bulindo, de museu da
invenção do cotidiano. Você não vai encontrar a rua pela placa. Chico Tartaruga
virou rua com nome quase oficial, Francisco Eliziário. Pergunte aqui e ali, vá
conversando com uma e com outro, e você vai chegar à casa. Um modo bonito de
conhecer, apreciar, viver um lugar: em estado de encontro. À noite, nos fins de
semana, Babuda está na chamada rua principal, a Dragão do Mar, a Broadway. Ali
bem à altura do mercantil do Seu Lourival, com banca de comida. Caldo de
rabada, pratinho. Junto a artesãs e artesãos, ela tem também banca da renda
labirinto. Mas não deixe de ir até a casa. Odonézio, nas priscas eras de Canoa,
conta Babuda, era da turma do carnaval ao som movente numa espécie de carrinho
de mão, a bater becos e ruas, dunas e falésias, como Seu Adolfo fazia com sua
caixa de bolo.
Conheci Babuda em 2017, quando comecei a percorrer Canoa procurando
as rendeiras do lugar, a convite do Festival Alberto Nepomuceno, o Fan. Virei
fã das labirinteiras. Nizete Alves dos Santos, a Babuda, tem irmãs também
rendeiras. Niete Alves dos Santos e Francisca Nirlete Alves Mais, a Neguinha.
Cheguei até elas seguindo o fio da conversa iniciada com Valdênia Barqueiro dos
Santos, minha guia-mestra, a quem agradeço cada linha desenhada no ar,
colocando-me nas idas e vindas do labirinto Canoa. Guardo com gosto o mapa que
ela fez vezes seguidas me dizendo da localização das casas, da moradia de cada
rendeira: Babai, Caluça, Dona Carmélia, Dona Leonor. Liduina filha de Dona
Osmira, as filhas de Dona Agripina... Móvel como as dunas, o mapa está guardado
como se pode guardar uma brisa: usufruindo do frescor de sua passagem.
(*) Jornalista de O Povo.
Fonte: Publicado In: O Povo, de 6/08/23. Vida & Arte, p.2.
Nenhum comentário:
Postar um comentário