O nome do remédio da doença do
cristão...
Sequer
havia saído do sítio onde veio ao mundo pelas mãos da parteira Nanosa. Meio
bicho do mato, o véi Zé Lotéro, pois. O mundo se resumia ao Buraco D'água. O
homem mais feliz que havia, conforme se proclamava, aos 86 anos. Gabava-se de
saber de todas as ciências e histórias, sem nunca ter aberto um livro; dizia
que nasceu "sabendo quem descobriu a 'póiva'". Era de casa pra roça e
pra bodega, do açude pra igreja e pro quintal dos compadres, do engenho pra
delegacia e pro cemitério. Pra falar a verdade...
-
Eu cheguei a ir à cidade (sede do município) pro batizado dum neto. E brá! -
cismava.
Um
dia, o médico (clínico geral) do PSF foi ao distrito dar uma geral preventiva
no povo, do mais novo ao idoso. Sabedor da intervenção da prefeitura, Zé Lotéro
aprontou a parentela para uma consulta coletiva "de gabarito". Mais:
queria saber do doutor tintim por tintim o que cada um tinha, e providenciar o
que fosse urgente. 25 pessoas ao todo no consultório. Uns sentados, outros de
pé, alguns "de cóca". Povaréu auscultado, exames requeridos, é a vez
de o esculápio receitar os remédios - e Zé traduzir pra linguagem corrente
daquela gente boa e matuta.
-
Pra sua esposa, seu Zé, vou passar o Aciclovir. Dona Antonieta tem uma infecção
cutânea gerada pelo vírus do herpes simples.
-
O senhor quer dizer pras curuba de minha senhora, né, doutor? - atalha Zé.
-
Perfeito! Pro netinho Simão, indico o Repoflor, que vai auxiliar no tratamento
da diarreia causada pelo Clostridium difficile.
-
Pra caganeira de chicote do menino, mestre! Tô certo?
-
Exato! Já para o tratamento da verminose do irmão Bernaldo, vamos de
Mebendazol.
-
Pra touceira de lombriga de duas cabeças dele, bem explicado, gente fina!
Aí
chegou a vez do próprio Zé Lotéro receber a indicação medicamentosa.
-
Pro senhor, enfim, o Citrato de sildenafila, para o tratamento de sua disfunção
erétil.
-
Pro bilau bambo de minha pessoa, doutor! Seje claro!
De hora marcada!
Após
medicar a gente de Zé Lotéro, o clínico geral deu aviso dirigido especialmente
ao velho. Ressaltou a necessidade vital de seguir-se à risca os horários das tomadas.
Pediu que fosse tudo anotado, marcando-se pontualmente no relógio. Seguro de
que, mesmo aos 86 anos, a cabeça era ainda um computador, de que lembraria de
tudo "sem auxílio algum de tecnologia", disparou cheio de si:
-
Eu vou lá por cabeça de relógio, doutor!
Condolências no quilo
João
de Dedé da Batateira bateu o catolé no dia do aniversário. Tristeza monstra na
comunidade. A viúva Palmira, um oceano de lágrimas. Velório na sala de casa.
Cidadão querido, metade da cidade foi prestar-lhe solidariedade. Quem não pode
ir ao derradeiro adeus, caso de Zé Lotéro, ao menos telefonou; aparelho no
viva-voz, todos ouviram as condolências dele para a esposa do morto, com a
cabeça e o coração voltados pro de cujus.
-
Palmira! É Zé Lotério! Estou ligando pra te dar os pêsos!
-
Deixe no pé da balança, aí no alpendre, que amanhã eu pego, amigo!
Reclamar de bucho cheio
No
interior de Maria minha mulher havia uma senhora por nome Letícia que criava 60
gatos em casa. Era felino pra mais de quilômetro! E conhecidos, os animais, por
muito comerem e igualmente miarem. Daí, quando alguém se reclamava da vida sem
motivo aparente, com cara de quem comeu e não gostou, a vizinhança usava a
expressão:
-
Que nem os gatos de Letícia - comendo e miando!
Fonte: O POVO, de 25/08/2023. Coluna
“Crônicas”, de Tarcísio Matos. p.2.
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