Ruy Castro lê manifesto de intelectuais contra a censura às biografias
Por Fabíola Ortiz
Do UOL, no Rio
de Janeiro
Um coletivo de 45 escritores –
entre jornalistas, historiadores, autores e membros da ABL (Academia Brasileira
de Letras) – anunciou, no início da noite deste sábado (7), um manifesto contra
a censura às biografias. A leitura foi feita pelo jornalista e escritor Ruy
Castro na Bienal do Livro, no Rio de Janeiro.
No manifesto, os intelectuais
criticam a necessidade de obter um consentimento prévio de biografados para que
a obra seja autorizada a circular. "(...) Não faz sentido exigir-se o
consentimento prévio da personalidade pública cuja trajetória um autor ou
historiador pretende relatar como condição para a publicação de
biografias", leu Ruy Castro.
O manifesto foi assinado por
personalidades como Boris Fausto, Ferreira Gullar, Luís Fernando Veríssimo,
Zuenir Ventura, Milton Hatoum, Mario Magalhães, Nelson Pereira dos Santos,
Fernando Morais, Cristóvão Tezza e Ziraldo. Os imortais da ABL também
assinaram, como Ana
Maria Machado, Cícero Sandroni, Cleonice Berardinelli,
Evanildo Bechara, Nélida Piñon e Domício Proença.
Os intelectuais alertam para a
existência da "proliferação de uma censura prévia" no que se refere à
proibição das biografias não autorizadas. O Brasil é a única democracia que
determina a autorização prévia do biografado. "Um país que só permite a
circulação de biografias autorizadas reduz a sua historiografia à versão dos
protagonistas da vida política, econômica, social e artística. Uma espécie de
monopólio da História, típico de regimes totalitários", lê-se no
manifesto.
Ao ler em voz alta na Bienal,
Ruy Castro defendeu que fosse eliminado o "entulho autoritário" que
representa esta legislação.
Obra sobre Garrincha
Autor de diversas biografias
como de Carmen Miranda e Nelson Rodrigues, Ruy Castro enfrentou um imbróglio
que se arrastou por mais de 10 anos. Na biografia sobre Garrincha,
"Estrela Solitária", foram inúmeros os embates entre a editora (Cia
das Letras) e os advogados das herdeiras do jogador.
"Existe um certo cinismo e
jogo de poder por trás da proteção dos direitos do biografado. Levei três anos
fazendo o livro (1993-1995). A produção do livro não ficou em segredo. Fui à Pau
Grande, distrito de Inhomirim em Minas, terra natal de Garrincha, conversei com
toda a comunidade, as ex-mulheres e nove herdeiras", relembrou o caso.
Segundo Ruy Castro, as
herdeiras estavam cientes que ele estava realizando a biografia. "Me deram
muitas informações do Garrincha. Inclusive, ao final do livro, fiz um
agradecimento explícito a elas".
No entanto, depois de ter sido
rodado na gráfica, a poucos dias para ir às livrarias, a editora recebeu a
ligação de um advogado da família dizendo que as herdeiras ficaram surpresas
porque não autorizaram a biografia e que a obra ainda caluniava Garrincha. "Fizeram
uma série de ameaças. A família ofereceu um acordo de 1 milhão de dólares para
autorizar a circulação. Era uma chantagem", lembrou.
O livro ficou proibido de ser
vendido por 11 meses, de dezembro de 1995 até o final de 1996. Mas o processo
ainda correu por mais 11 anos. "As filhas eram as menos culpadas nessa
história toda, elas foram manipuladas", comentou Ruy Castro.
Biografia não autorizada
de Roberto Carlos
Já Paulo Cesar de Araújo, autor
da biografia não autorizada "Roberto Carlos em Detalhes" (Ed.
Planeta), em 2006, foi outro que sofreu com o impedimento de publicação da
obra.
"Roberto Carlos entrou na
justiça com dois processos: um na área cível e outro na criminal pedindo a
minha prisão por mais de dois anos. Ele impediu a circulação e ainda queria que
fosse praticada uma multa de R$ 500 mil por dia se a obra circulasse",
lembrou Araújo.
Foram 15 anos pesquisando e
escrevendo sobre o artista. "Passei todo este tempo tentando uma
entrevista com ele. Ele nunca disse não, só não disse sim. Não fiz nada na
surdina", defendeu-se o escritor.
Bastante crítico, Araújo se
disse contrário à lei que censura a circulação de biografias caso não recebam o
aval do biografado. "Ele (Roberto Carlos) tem a ideia de que a história é
patrimônio dele. O mais popular artista do país não só embargou uma obra
histórica, mas também milita para proibir todas as outras. A situação é grave,
ele também é militante contra a mudança na legislação brasileira",
criticou.
O coletivo de autores que
assinou o manifesto pensa ir à Brasília para entregar o documento aos
parlamentares no Congresso Nacional e pressionar que um recurso que altera a
legislação seja levado a votação no plenário.
Violação da livre
expressão
Segundo o deputado federal
Alessandro Molon (PT-RJ), os diretos que estão sendo violados são o de
liberdade de expressão, livre manifestação do pensamento de publicar obras e o
direito da sociedade de acesso à informação.
A nova redação do Artigo 20 do
Código Civil enfrenta resistência no Congresso, disse Molon, quem defende a
proteção de vidas privadas mediante autorização, mas para personalidades
públicas com relevância histórica, artística, cultural e esportiva, que a
restrição seja mais reduzida.
"Espero que o Congresso
não deixe que a decisão seja tomada pelo STF (Supremo Tribunal Federal) e que
tome uma decisão legislativa. Esse dispositivo desequilibra o direito à
informação, à liberdade de expressão e a conhecer a história da nação", concluiu.
Fonte:
Folha/Notícias UOL 7/09/2013, sob o título “Ruy
Castro lê manifesto de intelectuais contra a censura às biografias”
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