Fernando Rodrigues (*)
BRASÍLIA -
Adolescente e trotskista, um dia já enxerguei beleza na Declaração Universal
dos Direitos Humanos, um dos pilares da ONU. Foi quando um amigo mais velho do
partidão, cheio de sarcasmo, disse: "Não seja ingênuo. A ONU é uma ficção.
Não serve para nada. Quem manda lá são os EUA e seus satélites".
Anos depois, já
como correspondente da Folha em
Nova York, em 1988, trabalhei em uma pequena sala que servia
de escritório para o jornal dentro do prédio principal da ONU. Convivi com
diplomatas e funcionários públicos mundiais por algum tempo. Ineficiência e
inutilidade são as duas palavras que me ocorrem para definir o que presenciei
de perto.
Paulo Francis, meu
chefe à época em Nova York,
desdenhava a ONU de maneira ferina. "É um cabide de empregos para
vagabundos desfilarem de sarongue para cima e para baixo", dizia ele.
Descontado o preconceito, Francis tinha uma certa razão.
Lembrei-me disso
ontem ao assistir ao discurso da presidente Dilma Rousseff na ONU. Ela falou
contra a espionagem dos EUA no Brasil. Anunciou "propostas para o
estabelecimento de um marco civil multilateral para a governança e uso da
internet" em nível mundial visando a "uma efetiva proteção dos
dados".
Quase tive um
ataque de narcolepsia só de pensar em como tramitaria tal ideia dentro da ONU.
A chance de algo efetivo prosperar ali dentro é menor do que zero.
Dilma faria melhor
se buscasse equipar o Brasil contra ataques cibernéticos. A presidente faz o
oposto. Engavetou um projeto de Política Nacional de Inteligência que cria
diretrizes para o Estado brasileiro se prevenir de ações de espionagem. O texto
está pronto e parado, no Planalto, desde novembro de 2010.
É mais fácil ler
um discurso feito pelo marqueteiro no teleprompter na ONU do que trabalhar duro
em casa. Para
azar de Dilma, é possível perceber a distância entre o que ela fala e o que de
fato faz.
(*) Fernando Rodrigues é repórter em Brasília. Na Folha,
foi editor de "Economia" (hoje "Mercado"), correspondente em Nova York, Washington e
Tóquio. Recebeu quatro Prêmios Esso (1997, 2002, 2003 e 2006). Escreve quartas
e sábados na versão impressa Página A2.
Fonte: Folha de São Paulo, de 25/09/2013.
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