Meraldo Zisman (*)
Médico-Psicoterapeuta
A
Imprensa diária começa a narrar uma série de pedidos, declarações, documento
legais que visam à parada de tratamentos médicos desnecessários, dando mais ênfase
à qualidade de vida. Ao mesmo tempo, noticia sem pudor: ‘Pacientes falecidos
por falta de leitos de UTI’.
Esquecem
que somente devem ser removidos para tais unidades especializadas os pacientes
a serem submetidos a tratamentos que respondam ou tenham a possibilidade de
cura, melhoria quando possível, ou no mínimo uma qualidade de vida autônoma
após a alta. Respeitar a dignidade humana é o primeiro dever do profissional de
saúde.
As
palavras eutanásia, ortotanásia, etc., têm sido utilizadas de maneira confusa e
ambígua, pois são utilizadas com diferentes significados que dependem do
momento e de quem as utiliza.
Mas o que
tenho notado é o aumento de solicitações de recusa a tratamentos partidas de
homens e mulheres, sobretudo na terceira idade, que temem mais o tratamento e
suas possíveis sequelas do que as doenças em si.
No meu
consultório de psicoterapeuta há uma verdadeira avalanche desses pedidos
diretos ou disfarçados de sair da vida com decência, de instruir o médico sobre
quando sustar o tratamento ou permanecer junto com as pessoas que amam, em vez
de serem internados em hospitais.
Vida e
Morte, Sofrer e Viver, Nascer e Morrer, sempre foram as principais incógnitas
do Homem. Já perto do fim da minha vida de médico atuante, não vou dizer que
existem respostas simples para assuntos tão complexos. Não é necessário ser
doutor em nada para saber disso.
Direi o
que os anos de prática de medicina me ensinaram: - Deixar nas mãos das
religiões pouco adianta no contemporâneo existencial. A ciência tomou o lugar
delas... - Entrar na vida (não escolhemos nossos pais) e sair dela com
dignidade é o que nos resta, como último desejo, e isso está ficando difícil
pelo progresso médico (que só beneficia da classe média tradicional urbana
brasileira para cima e talvez alguns pobres mais afortunados).
Ninguém é
contra o progresso médico. Costumo ressaltar que, apesar de todo o progresso da
Medicina, todos nós vamos morrer um dia. Isso não mudou.
Sinto que
estamos saindo da Economia de Mercado (corolário da democracia no campo das
atividades produtivas e baseada no progresso tecnológico) para uma Sociedade de
Mercado. Mas o que seria uma Sociedade de Mercado? É uma sociedade em que os
valores sociais, a vida em família, a educação e tudo mais pode ser comprado ou
vendido. Os aspectos econômicos são o que importam. Tudo e todos têm seu preço.
Para não
sair do meu campo médico (nada sei de Economia), tenho certeza de que já
estamos em plena
Sociedade de Mercado. Os planos de Saúde (?) estão tendo
prejuízo. Não é necessário ser nenhum contador para saber que as últimas
semanas de vida são as mais dispendiosas. A maioria das pessoas que não se
incluem no índice da mortalidade causada pela violência (acidentes de transito,
brigas, tráfico de drogas), não quer mais morrer em casa ou cercado por
familiares, o chique é morrer na UTI, em um bom hospital, cercado de médicos e
enfermeiros estranhos e importantes.
Sei que
um leito de UTI custa uma fortuna e é onde os hospitais auferem os maiores
lucros e os Planos, Seguros, etc., de Saúde são obrigados a cada vez aumentar
mais a mensalidade que cobram dos velhos justo quando, na sua maioria, a renda
diminui.
Observei
de certa feita, quando era mais moço, que um dos hospitais mais afamados estava
com sua UTI lotada e concluí que mais da metade dos pacientes internados não
tinha a menor capacidade de recuperação. O sofrimento deles era até maior, pois
não estavam com os seus entes queridos.
Será que
não seria melhor ser pobre e morrer entre os seus, do que cercado por aqueles
mascarados estranhos e ainda por cima com tubos e tubinhos e barulhinhos saindo
de todos os lados dos buracos da gente, enquanto entra pelos ouvidos um bip,
bip estranho?
Sei
não...
(*) Professor Titular da Pediatria da Universidade de Pernambuco.
Psicoterapeuta. Membro da Sobrames/PE, da União Brasileira de Escritores (UBE)
e da Academia Brasileira de Escritores Médicos (ABRAMES).
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