quarta-feira, 9 de outubro de 2013

SEI NÃO...




Meraldo Zisman (*)
Médico-Psicoterapeuta
A Imprensa diária começa a narrar uma série de pedidos, declarações, documento legais que visam à parada de tratamentos médicos desnecessários, dando mais ênfase à qualidade de vida. Ao mesmo tempo, noticia sem pudor: ‘Pacientes falecidos por falta de leitos de UTI’.
Esquecem que somente devem ser removidos para tais unidades especializadas os pacientes a serem submetidos a tratamentos que respondam ou tenham a possibilidade de cura, melhoria quando possível, ou no mínimo uma qualidade de vida autônoma após a alta. Respeitar a dignidade humana é o primeiro dever do profissional de saúde.
As palavras eutanásia, ortotanásia, etc., têm sido utilizadas de maneira confusa e ambígua, pois são utilizadas com diferentes significados que dependem do momento e de quem as utiliza.
Mas o que tenho notado é o aumento de solicitações de recusa a tratamentos partidas de homens e mulheres, sobretudo na terceira idade, que temem mais o tratamento e suas possíveis sequelas do que as doenças em si.
No meu consultório de psicoterapeuta há uma verdadeira avalanche desses pedidos diretos ou disfarçados de sair da vida com decência, de instruir o médico sobre quando sustar o tratamento ou permanecer junto com as pessoas que amam, em vez de serem internados em hospitais.
Vida e Morte, Sofrer e Viver, Nascer e Morrer, sempre foram as principais incógnitas do Homem. Já perto do fim da minha vida de médico atuante, não vou dizer que existem respostas simples para assuntos tão complexos. Não é necessário ser doutor em nada para saber disso.
Direi o que os anos de prática de medicina me ensinaram: - Deixar nas mãos das religiões pouco adianta no contemporâneo existencial. A ciência tomou o lugar delas... - Entrar na vida (não escolhemos nossos pais) e sair dela com dignidade é o que nos resta, como último desejo, e isso está ficando difícil pelo progresso médico (que só beneficia da classe média tradicional urbana brasileira para cima e talvez alguns pobres mais afortunados).
Ninguém é contra o progresso médico. Costumo ressaltar que, apesar de todo o progresso da Medicina, todos nós vamos morrer um dia. Isso não mudou.
Sinto que estamos saindo da Economia de Mercado (corolário da democracia no campo das atividades produtivas e baseada no progresso tecnológico) para uma Sociedade de Mercado. Mas o que seria uma Sociedade de Mercado? É uma sociedade em que os valores sociais, a vida em família, a educação e tudo mais pode ser comprado ou vendido. Os aspectos econômicos são o que importam. Tudo e todos têm seu preço.
Para não sair do meu campo médico (nada sei de Economia), tenho certeza de que já estamos em plena Sociedade de Mercado. Os planos de Saúde (?) estão tendo prejuízo. Não é necessário ser nenhum contador para saber que as últimas semanas de vida são as mais dispendiosas. A maioria das pessoas que não se incluem no índice da mortalidade causada pela violência (acidentes de transito, brigas, tráfico de drogas), não quer mais morrer em casa ou cercado por familiares, o chique é morrer na UTI, em um bom hospital, cercado de médicos e enfermeiros estranhos e importantes.
Sei que um leito de UTI custa uma fortuna e é onde os hospitais auferem os maiores lucros e os Planos, Seguros, etc., de Saúde são obrigados a cada vez aumentar mais a mensalidade que cobram dos velhos justo quando, na sua maioria, a renda diminui.
Observei de certa feita, quando era mais moço, que um dos hospitais mais afamados estava com sua UTI lotada e concluí que mais da metade dos pacientes internados não tinha a menor capacidade de recuperação. O sofrimento deles era até maior, pois não estavam com os seus entes queridos.
Será que não seria melhor ser pobre e morrer entre os seus, do que cercado por aqueles mascarados estranhos e ainda por cima com tubos e tubinhos e barulhinhos saindo de todos os lados dos buracos da gente, enquanto entra pelos ouvidos um bip, bip estranho?
Sei não...
(*) Professor Titular da Pediatria da Universidade de Pernambuco. Psicoterapeuta. Membro da Sobrames/PE, da União Brasileira de Escritores (UBE) e da Academia Brasileira de Escritores Médicos (ABRAMES).

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