João Brainer Clares de Andrade (*)
O discurso é bonito e
entusiasmante: “levar mais médicos a quem precisa”. Não há quem possa ir
contra, pois seria um atentado à população que mais precisa de investimento e,
sobretudo, respeito.
O tema que parecia se findar
com o quase esgotado esforço de evitá-lo ainda habita as primeiras páginas de
jornal. O discurso do Governo é revestido de aura publicitária: toca no
sentimento da população, dramatiza o caos, oculta os problemas estruturais e,
mais ainda, terceiriza a culpa. O paradeiro da culpa, então, vai ao médico,
agora vilão do sistema de saúde: de benfeitor a insensível com a causa popular
tão evocada pelo jargão ministerial de “levar mais médicos a quem precisa”. A
estratégia é quase matemática: a culpa é dos médicos, o jaleco deles está sujo
pela ganância que lhes é própria...
Ante o entrave, ainda surge o
ministro da Educação e propõe que os médicos devem ser “especialistas em gente”
e que devemos dialogar com o sentimento das pessoas. Senhor ministro, não há
nada mais denso na faculdade de Medicina que o contato com a população que mais
sofre. Somos, como profissionais, igualmente vitimados por um sistema que não
fecha suas contas e que deixa faltar medicamentos, equipamentos, leitos e profissionais
a quem mais precisa. Somos humanizados à força no ambiente brutalizante que o
Governo mantém.
Se houvesse franco interesse de
levar mais dignidade a quem precisa, o Governo não tiraria de pauta o aumento
de recursos ao SUS, haveria investimento em carreira pública aos médicos
brasileiros e os estrangeiros (que sejam muito bem-vindos) viriam revalidados,
pois não se é digno oferecer duas Medicinas: a do rico e a do pobre; a feita
por bons médicos e a feita por médicos sequer avaliados. A emoção pela causa
nobre cega contra os interesses eleitoreiros, as práticas desumanas, as
investidas peçonhentas que, embora não pareçam, colocam a população em risco
constante.
Se o nosso jaleco está sujo
pelos pecados que nos são depositados, pela culpa que nos impõem, digo, pois,
que as mãos de quem gere o SUS estão sujas de sangue.
(*) João
Brainer é concludente do curso de Medicina da turma de 2013.
Fonte: Publicado In: O
Povo, 10/10/2013. Opiniãp. p. 6.
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