Por Arnaldo Jabor
A extensa reportagem da revista inglesa The Economist
sobre o Brasil devia servir como um programa de governo para a presidenta
Dilma.
A revista é reconhecidamente a melhor do mundo em
seriedade e profundidade de informação. No entanto, nossa raivosa e arrogante
Chefa considerou a matéria uma espécie de oposição à sua administração cada vez
mais 'bolivariana': "A revista está mal informada, etc." e repetiu os
slogans que seus assessores petistas lhe sopram. É tão impressionante isso
tudo. O tom geral da matéria deplora, lamenta que o Brasil, com todas as
condições para uma decolagem, um 'take off', esteja jogando tudo para o alto,
tanto pelo olho nas eleições quanto pela teimosia ideológica de enfiar o País
dentro de um programa arcaico e inútil. Claro que os governistas acusarão a
revista de "imperialista", de "neoliberal", de estar do
lado das "grandes corporações" - o mesmo uso que fizeram sobre a
espionagem americana na Petrobrás (será que descobriram por que a Petrobrás
comprou uma refinaria no Texas por 1 bilhão e 200 milhões de dólares que não
consegue vender nem por 100 milhões?).
Essa gente que está no poder bota sempre a culpa de nossa
indigência em alguém de fora. Nosso amigo e líder Nicolás Maduro, da Venezuela,
disse que a falta de papel higiênico, de comida e de energia é tudo culpa dos
Estados Unidos. Seguimos sua linha.
Aliás, preparem-se para uma eventual reeleição da Dilma
que, ao que tudo indica, vai partir para o 'bolivarianismo' explícito, como já
declara o PT e em seu site. Será que a nova Dilma vai se 'cristinizar' para a
construção do 'socialismo imaginário' que justificou o 'mensalão'?
Na realidade, a revista, em seu artigo chamado Será que o
Brasil se detonou?, praticamente só faz perguntas. "Por quê?" -
pergunta a revista o tempo todo.
Por que, entre os países emergentes, nós temos o pior
desempenho? Terá sido apenas um voo de galinha (chicken flight?), pois
aproveitamos muito mal a enxurrada de dinheiro que entrou aqui nos últimos
anos? Por quê? Por que o governo não ataca os problemas principais, enunciados
por qualquer economista sério do mundo e se detém em remédios demagógicos, como
buscar médicos medíocres em Cuba para fazer propaganda socialista nas cidades
pobres, como o ridículo trem-bala, como os estádios bilionários para a Copa,
que até nosso povo 'futeboleiro' condenou nas manifestações? Por que o famoso
PAC, com seu 'desenvolvimentismo tardio' não consegue terminar nem 20% das
obras propostas? Por que o governo não consegue privatizar (opa: 'fazer
concessões') nem rodovias, nem ferrovias, nem aeroportos, sem errar várias
vezes, sem conseguir redigir contratos decentes, atraentes? Por que o rio S.
Francisco continua parado, com grandes regos secos que o Exército fez? Por que
não explicam à população as causas dos atrasos, em vez de gastarem bilhões em
propaganda enganosa? Por que o número de carros dobrou em 10 anos e as estradas
continuam podres e paralisadas? Por que a China acaba de cancelar a compra de 2
milhões de toneladas de soja por causa da dificuldade do 'gargalo Brasil'? Por
que a maior produção de soja no mundo fica na fila infinita de caminhões porque
não há silos, detidos pela burocracia mais atrasada do planeta? Por que a
inflação pode se descontrolar de novo? Por que contrataram mais de 100 mil
pelegos para boquinhas no governo, em vez de cortar custos da atividade-meio?
Por que estimular o consumo, sem estimular o aumento da oferta? Por que os
preços no Brasil são o dobro de qualquer país do mundo, sendo que o chamado
'Big Mac Index', a ferramenta de comparação de preços, mostra que nosso Big Mac
é 72% mais caro que em qualquer lugar e carros custam 45 mais caro que no
México, EUA? "Ah... porque a carga tributária é de 36% do PIB e nos outros
países semelhantes não passa de 21%." Então, por que não lutar por uma
reforma tributária profunda, em vez de jogadas periódicas premiando uma ou
outra atividade? Por quê? "Ah, porque é muito difícil passar no Legislativo..."
Mas, por que não usar toda a força da maioria que têm para isso? Por que a
agroindústria, tão esquecida pelo governo (que gosta mais do MST), nos salva
todo ano com sua lucratividade? Será que vai bem justamente porque o governo
não se meteu? Por que o SUS é a porta do inferno? Por que a educação zero está
impedindo a produção nacional, sem mão de obra para nada? Por que temos o
recorde mundial de analfabetismo funcional? Por que será que os investidores
internacionais têm medo de vir para cá, ultimamente? Será que é porque eles
sabem que nós mudamos regras, não respeitamos contratos nem marcos regulatórios
e porque nós queremos lhes enfiar o Estado goela abaixo? Por que será que, de
todo o dinheiro arrecadado para as aposentadorias no País, 50% é para pagar apenas
20 % dos aposentados (setor público, claro), enquanto a outra metade é para
pagar os 80% restantes? Por que somente 1,5% do PIB é investido em
infraestrutura, quando no resto do mundo é por volta de 4%? Por quê? Nossa
infraestrutura é a 114 pior entre 148 países.
Ou seja, continuamos sob 'anestesia mas sem cirurgia'
(Simonsen). Por quê? Talvez a resposta esteja em Platão e sua carroça. Ele
disse que é dificílimo guiar um carro com dois cavalos diferentes - um bom
marchador e outro manco e lento. É nosso destino, em um governo dividido entre
o 'bolivarianismo' e as necessidades óbvias, reais do País. Ao contrário do que
proclamam, o óbvio pragmatismo administrativo não é 'de direita' não, e seria
bom para o crescimento e para reduzir a desigualdade.
A matéria do The Economist tem a boa intenção de nos
acordar para a racionalidade; não quer nos destruir, não é da 'oposição'. A
reportagem da revista, que é lida no mundo inteiro, serve para nos lembrar da
famosa frase de Reagan (sim, o reacionário) - perfeita para nos definir:
"O Estado não é a solução; o Estado é o problema".
Ah, sim; a revista esqueceu de mencionar uma importante
força da natureza que nos impele para o erro: a muito esquecida categoria
política da... Burrice.
Fonte:
O Estado de S.Paulo, 01 de outubro de 2013.
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