domingo, 25 de abril de 2021

O CACHORRO DO COMANDANTE

Por volta dos anos setenta, um comandante de uma região militar entrou em contato com uma companhia aérea, para notificar que sua filha enviara a ele do Rio de Janeiro o seu cachorro de estimação.

Alertou sob os cuidados que se deveria ter com o seu animal de estimação por quem ele nutria uma afeição muito especial, exigindo que o mesmo, tão logo chegasse, fosse levado ao quartel-geral que ele comandava.

A empresa, atenta às recomendações do general, primou por todo o zelo e assim que o avião aterrissou foram apanhá-lo no setor de cargas do aeroporto local.

Ao abrirem a caixa contendo o cão, os funcionários viram que o animal estava morto.

Então, ambos começaram a discutir a situação e telefonaram para a gerência da empresa, para saber que providência caberia a eles tomarem.

Como se estava no auge do regime militar pós-64, não era prudente aborrecer um oficial de alta patente, e ademais era imperioso resguardar a empresa transportadora de possíveis retaliação pelo infortúnio ocorrido.

Deliberaram, enfim, retardar a entrega ao general, alegando atraso no embarque no aeroporto de origem, enquanto mediavam uma forma de se safarem daquela constrangedora situação.

Com se tratava de um animal de raça bastante comum, um pastor alemão, adulto, de porte médio, se valeram dos préstimos de amigos do Kennel Club da cidade e encontraram um espécimen de muita similitude física com o cão falecido. Compraram-no a preço de ouro.

Já com um discurso afiado, para driblar a desconfiança do militar, apresentaram o canídeo substituto ao pretenso proprietário, havendo um estranhamento mútuo entre dono e possuído.

Esse animal não é o meu. É parecido, mas não é o meu, com absoluta certeza.

General, esse foi cachorro que foi enviado por sua filha.

A astúcia de vocês não vai me levar ao engodo.

Ele está o estranhando, e não reconhece, certamente, porque está muito estressado, pois foi uma viagem longa e cansativa, cheia de percalços no trajeto.

Não tem cabimento o que vocês tentaram fazer. O meu querido cachorro morreu no Rio e minha filha me mandou o corpo para que eu o sepultasse no sítio de nossa família, no município vizinho desta capital

Marcelo Gurgel Carlos da Silva

Ex-Presidente da Sobrames-Ceará

* Publicado In: SILVA, M. G. C. da (Org.). Ombro, arma! Médicos contam causos da caserna. Fortaleza: Expressão, 2018. 112p. p.70-71.


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