Meraldo Zisman (*)
Médico-Psicoterapeuta
Fome
(do latim faminem) é o nome que se dá à sensação
fisiológica pela qual o corpo percebe que necessita de alimento para manter
suas atividades inerentes à vida, enquanto ancestral é um adjetivo relativo aos
antepassados ou antecessores. Num círculo vicioso, cada vez mais famílias se
aglomeram nas cidades, passando fome por não conseguir meios para suprir sua
subsistência, fome que se inicia desde o começo da vida, ainda durante o tempo
da gestação em útero. Se a mãe não tem o que comer como vai alimentar o embrião
e o feto que está gestando?
As
consequências dessas carências nutricionais refletem-se desde a média do
tamanho dos recém-nascidos, sobretudo nas camadas menos favorecidas.
Porém,
uma coisa não mudou— a fome ancestral— que assola a maior parte do povo
brasileiro há alguns séculos. Já era própria dos seus antepassados ou
antecessores. Se não, vejamos.
Quando se compara o tamanho dos neonatos de famílias
pobres com o da população brasileira de melhor renda, as diferenças
antropométricas são gritantes.
O comprimento médio dos nossos recém-nascidos
permanece sendo de 47 centímetros.
Desde
1960 venho alertando que o nordestino tem baixa estatura devido a uma precária
nutrição materna e quando falo em desnutrição, englobo todas as mazelas da
adversidade psico-econômica-social. Nascer pequeno não é uma deficiência apenas
física, é também emocional. Diminui a capacidade de aprendizado, aumenta o
comportamento antissocial e a violência. Aqueles que nascem com menos de 47 cm
são os que têm maior risco, já que um crescimento fetal insatisfatório poderá
ter efeitos de longo prazo sobre a química do cérebro. O crescimento
insatisfatório do bebê no útero influencia o comprimento do bebê no nascimento
e prejudica o desenvolvi mento do cérebro. Além disso, deturpa a produção dos
neurotransmissores como a serotonina, também conhecida como a substância
“mágica” ligada ao desenvolvimento e ao humor de modo geral, notadamente baixa
em pessoas com depressão.
O
pouco crescimento no útero poderia ser causado pelo uso abusivo de drogas,
inclusive álcool, pela mãe ou por uma dieta ruim, ou mesmo por um ambiente
estressógeno e sobretudo da nutrição materna durante a gestação de fragilização
ou ainda em situações adversas, como aquelas com problemas sociais, mães
adolescentes e as com passado de criminalidade.
Há
evidências mostrando que uma intervenção nessas mães pode ter efeito no
desenvolvimento da criança, a longo prazo.
Porque
não tentar agora, melhorando as cestas básicas das gestantes, com mais
proteínas e melhores nutrientes, além de outras coisas mais?
E
pensar em um acompanhamento pré-natal que não se resuma ao fornecimento de
cestas básicas ou uma orientação médica de última hora. O melhor que se pode
fazer, no momento, em prol das futuras gerações brasileiras é alimentar as
populações mais carentes e não politizar, paralisar, e acabar com as diferenças
e rivalidades polarizadas de direita ou esquerda e lembrar o velho ditado
indiano: na casa onde falta o pão todos brigam e ninguém tem razão.
Concluo
com a frase do gênio Millôr Fernandes: “Ninguém sabe o que você escuta, lê, se informa, e não importa a sua
ideologia, mas todo mundo ouve muito bem o que você fala ou escreve” — principalmente
agora, nesta época do império das denominadas mídias sociais pioradas pelos
avanços informatizados, as discrepâncias psicossociais tornam-se mais gritantes,
sendo a principal delas a fome intergeracional, falta de alimentos ou erros
alimentares que acontecem entre duas ou mais gerações. Daí a importância de
distinguirmos a diferença entre as gerações das periferias das grandes cidades
e aquelas do interior, além das migrações procedentes das nossas zonas rurais,
desde que nos tornamos de um país predominante agrícola.
Ou,
assim diziam minhas professoras, hoje cognominadas de tias postiças, do meu
antigo curso primário de grupo escolar. O que quando criança eu escutava e
pensava ser verdade, se verdade fora, agora não é mais.
(*) Professor Titular da Pediatria da Universidade de Pernambuco. Psicoterapeuta. Membro da Sobrames/PE, da União Brasileira de Escritores (UBE), da Academia Brasileira de Escritores Médicos (ABRAMES) e da Academia Recifense de Letras. Consultante Honorário da Universidade de Oxford (Grã-Bretanha).
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