quinta-feira, 21 de fevereiro de 2013

Quem vaia Yoani denuncia Fidel



Por Ricardo Alcântara (*)
Sou filho da Guerra Fria. Quando alcancei a vida adulta, ainda vivia sob o império da mesma ditadura militar que me assombrara a infância, onde fui testemunha muda de sussurros adultos que indicavam a morte como possibilidade cotidiana.
A liberdade não tem preço – foi o que tudo aquilo desde cedo me ensinou. Não é sensato supor que o novo homem com que sonhou Che Guevara possa se construir negando a si mesmo o que é fundamental à consciência: o direito de expressão.
Para estabelecer os princípios de sua nova ordem, as revoluções quase sempre necessitam suspender alguns espaços de manifestação para que a vontade da maioria, desordenada no momento de insurreição, prevaleça.
Mas se, meio século depois de sua vitória, um movimento revolucionário ainda recorre a meios extraordinários de controle social para ir adiante, é sinal de que o sonho acabou – e é exatamente isto o que acontece em Cuba nos dias de hoje.
Está no Brasil, favorecida pelas novas medidas de flexibilização adotadas em seu país, a cubana Yoani Sánchez, redatora de um blog de notas breves sobre a vida cotidiana da ilha que já simbolizou um dos mais generosos sonhos da humanidade.
Soube hoje, através dos jornais, que alguns militantes de esquerda, em número reduzido, não superior a vinte pessoas, foram ao aeroporto recepcioná-la com vaias e acusações de que seria a blogueira uma agente da Inteligência americana.
Yoani ofereceu uma resposta sábia aos manifestantes: recebeu as vaias como um ato cívico saudável, democrático, e disse lutar para que coisas assim também possam acontecer em seu país. Ao vaiar Yoani, vaiaram, sem saber, a Fidel Castro.
Dialeticamente, ao protestar sem nenhuma restrição contra alguém que luta pela liberdade de expressão, o inexpressivo grupo de militantes presentes ao ato denunciou involuntariamente aquilo que imaginava defender: o regime cubano.
Quem deveria festejar, dado o efeito contrário, seria a embaixada norte-americana em Brasília. Não seria de todo absurdo supor que, ao contrário, aqueles militantes, e não Yoani, teriam por mérito seus nomes incluídos na folha de pagamento da CIA.
Mais tarde, militantes estudantis invadiram o local onde a blogueira dava palestra e, ao tentar interditar sua fala, emprestaram ainda maior pertinência aos argumentos usados por ela para justificar suas posições contrárias ao regime.
E aí, uma vez mais, sobrou para a embaixada norte-americana nova dívida de gratidão com a contribuição involuntária que o internacionalismo proletário deu a quem pretende demonizar os irmãos Castro e os quadros de seu governo.
O bloqueio econômico imposto pelos EUA a Cuba fora compensado pelo apoio soviético, enquanto este existiu. Entregue à própria sorte desde que o bloco do Leste evaporou, o regime cubano sobrevive em estado terminal. Isso é História.
Yoani Sánchez é apenas uma blogueira. Seu Generación Y é bem escrito e perspicaz, mas poderia passaria batido, caso editado em um país democrático. Quem faz de Yoani Sánchez personalidade internacional é o próprio regime cubano.
(*) Jornalista e escritor. Publicado In: Pauta Livre.
Pauta Livre é cão sem dono. Se gostou, passe adiante.

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