Por Ricardo
Alcântara (*)
Sou
filho da Guerra Fria. Quando alcancei a vida adulta, ainda vivia sob o império
da mesma ditadura militar que me assombrara a infância, onde fui testemunha
muda de sussurros adultos que indicavam a morte como possibilidade cotidiana.
A
liberdade não tem preço – foi o que tudo aquilo desde cedo me ensinou. Não é
sensato supor que o novo homem com que sonhou Che Guevara possa se construir
negando a si mesmo o que é fundamental à consciência: o direito de expressão.
Para
estabelecer os princípios de sua nova ordem, as revoluções quase sempre
necessitam suspender alguns espaços de manifestação para que a vontade da
maioria, desordenada no momento de insurreição, prevaleça.
Mas
se, meio século depois de sua vitória, um movimento revolucionário ainda
recorre a meios extraordinários de controle social para ir adiante, é sinal de
que o sonho acabou – e é exatamente isto o que acontece em Cuba nos dias de
hoje.
Está
no Brasil, favorecida pelas novas medidas de flexibilização adotadas em seu
país, a cubana Yoani Sánchez, redatora de um blog de notas breves sobre a vida
cotidiana da ilha que já simbolizou um dos mais generosos sonhos da humanidade.
Soube
hoje, através dos jornais, que alguns militantes de esquerda, em número
reduzido, não superior a vinte pessoas, foram ao aeroporto recepcioná-la com
vaias e acusações de que seria a blogueira uma agente da Inteligência
americana.
Yoani
ofereceu uma resposta sábia aos manifestantes: recebeu as vaias como um ato
cívico saudável, democrático, e disse lutar para que coisas assim também possam
acontecer em seu país. Ao vaiar Yoani, vaiaram, sem saber, a Fidel Castro.
Dialeticamente,
ao protestar sem nenhuma restrição contra alguém que luta pela liberdade de
expressão, o inexpressivo grupo de militantes presentes ao ato denunciou
involuntariamente aquilo que imaginava defender: o regime cubano.
Quem
deveria festejar, dado o efeito contrário, seria a embaixada norte-americana em Brasília. Não seria
de todo absurdo supor que, ao contrário, aqueles militantes, e não Yoani,
teriam por mérito seus nomes incluídos na folha de pagamento da CIA.
Mais
tarde, militantes estudantis invadiram o local onde a blogueira dava palestra
e, ao tentar interditar sua fala, emprestaram ainda maior pertinência aos
argumentos usados por ela para justificar suas posições contrárias ao regime.
E
aí, uma vez mais, sobrou para a embaixada norte-americana nova dívida de
gratidão com a contribuição involuntária que o internacionalismo proletário deu
a quem pretende demonizar os irmãos Castro e os quadros de seu governo.
O
bloqueio econômico imposto pelos EUA a Cuba fora compensado pelo apoio
soviético, enquanto este existiu. Entregue à própria sorte desde que o bloco do
Leste evaporou, o regime cubano sobrevive em estado terminal. Isso é História.
Yoani
Sánchez é apenas uma blogueira. Seu Generación Y é bem escrito
e perspicaz, mas poderia passaria batido, caso editado em um país democrático.
Quem faz de Yoani Sánchez personalidade internacional é o próprio regime
cubano.
(*) Jornalista e
escritor. Publicado In: Pauta Livre.
Pauta Livre
é cão
sem dono. Se gostou, passe adiante.
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