quarta-feira, 4 de outubro de 2023

CAMINHOS DO CEARÁ: Jardins nas Munguba e Almécegas

Por Izabel Gurgel (*)

Terreiros lindos os da Munguba. Saindo de Paraipaba pelo 'lado de dentro' mas ainda não à beira do mar, no rumo da Lagoa das Almécegas, a placa Boa Vista anuncia mais do que o povoado de mesmo nome. Calumbi vem em seguida. Do carro dá para ver pinturas nas paredes de casa e 'letreiros' de negócios, trabalho do Toddy. O que vamos saber logo mais, passando em frente à casa dele. Alpendre-ateliê, com oficina de serigrafia ao lado. Rosimar Gaspar dos Anjos, o Toddy, guarda mais de uma tela feita sob encomenda, serviço pago pela metade, que o dono não voltou para pegar. Se for você, fale com o Toddy: (85) 98222.9906.

Os terreiros lindos da Munguba, vamos parar para vê-los melhor na volta das Almécegas. No caminho, cada pessoa a quem perguntamos 'está perto?', responde com outra pergunta: 'a lagoa dos pobres ou dos ricos?'. Repetimos a resposta primeira, quando perguntamos ao pessoal da Marilene, do Ponto da Panelada, como era melhor chegar às Almécegas: 'a que você frequenta'.

Como os flamboyant e buganvília em flor que nos olham na rodagem, os terreiros da Munguba são 'acesos' de tão bem cuidados. Areia varrida, lambida, como dizemos. Desenhada não só pelo efeito da recente chuva do caju e da incidência do sol. Maria Dolores Chaves zela o terreiro zen de sua casa, com aplicação diária. A bem dizer uma devoção. Estão aos nossos pés os desenhos do artista Gilberto Cardoso. Cotidiano, irrepetível e efêmero desenhar o vento, com os ventos. Estrada é cinema, é do meu costume sentir assim.

Feitura de casa em andamento, taipa de precisão tal qual o enchimento das asas dos pássaros, a orquestra da respiração e da lida com o ar em movimento tornada visível. A casa em obra que nos faz parar é trabalho de Raimundo Félix do Carmo, conta-nos Roseni Félix, irmã dele. Ela percebe nossa ignorância: "Eu mesma fiz minha casa. Botei os enxames, amarrei as varas. Botei o barro dentro e alisei". Roseni acha a coisa mais fácil do mundo fazer o barro. "Amassa com os pés até ficar liguento e enche as paredes com ele. O reboco também fiz de barro". As varas de ubaia e guabiraba estão entre as mais resistentes. Maria Chaves, mãe da Roseni e do Raimundo, diz que "sabiá não tem mais". E nos explica a excelência da vara de sabiá. Aguenta água. "É bom de fogo". Sabiá não tem mais. Se você chegou até aqui, vai lendo a vontade de jardim em meio à devastação.

Munguba em direção ao Trairi, bem antes de passar pela Oiticica e Lagamar do Sal, o chão que é o céu da Maria Bento. Ela está de saída. Enquanto espera a topic, conta das coisas bonitas do lugar. A cavalgada que vai passar outra vez. Sua receita de urucum. Vê nossos olhos aprendendo a passear e diz que a caixa de limão ao pé da cerca é da safra boa. "Deixo aqui fora para quem quiser pegar".

Salve, salve cada terreiro da Munguba. Ímã. E nem deu tempo de falar dos jardins no rumo das Almécegas. 

(*) Jornalista de O Povo.

Fonte: Publicado In: O Povo, de 3/09/23. Vida & Arte, p.2.


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