quarta-feira, 11 de outubro de 2023

ESCOLAS MÉDICAS NO BRASIL: entre a paralisia e a voracidade

Por Ivan Batista Coelho (*)

O Programa Mais Médicos, iniciado em 2013, mesmo paralisado pelo governo Temer em 2018 teve um forte impacto na formação médica brasileira. Ele possibilitou que passássemos de 1,6 médicos por mil habitantes para 2,6 em pouco mais de uma década. Isso, embora nos deixe distantes dos países da OCDE, nos aproxima dos Estados Unidos, Japão e Canadá. Contamos hoje, segundo a Demografia Médica do Conselho Federal de Medicina, com 389 escolas médicas nas quais ingressam em média 100 estudantes de medicina por unidade por ano.

Porém, se nossos problemas têm solução, nossas soluções também costumam ter problemas. Quase 90% das 23 mil novas vagas criadas se deu no setor privado, em escolas pequenas, que hoje responde por mais de 60% da oferta de vagas. À dificuldade de fiscalizar e garantir a qualidade do ensino no grande número de escolas criadas, soma-se um outro problema mais desafiador, o de regular um mercado fortemente concentrado.

Formar médicos é um ótimo negócio no Brasil: mensalidades de R$ 10 mil e grande procura pelas vagas garantem gordos EBTIDAs aos grupos financeiros proprietários das escolas, o que se traduz em aumento de suas ações em bolsa e demanda pela abertura de novas vagas. Com o valor dos cursos estimado em 2 milhões de reais por vaga de ingresso, a tentação de um pequeno grupo vender seu curso a grupos mais poderosos é irresistível. A tendência é da concentração das escolas nas mãos de poucos grupos financeiros. Em alguns estados, dois ou três desses grupos já respondem pela maioria das vagas ofertadas, o que lhes confere grande poder de definição de preços de mensalidade.

Considerando que menos de 1% das famílias brasileiras vivem com mais de vinte salários-mínimos por mês, o que, ainda com dificuldades, possibilitaria arcar com as mensalidades e demais custos, não será necessário bola de cristal para adivinhar que a medicina continuará fortemente elitizada.

Persistindo esse cenário de estagnação das vagas públicas e crescimento das privadas, formação em medicina passa a ser cada vez mais um assunto entre grandes grupos financeiros e o extrato mais rico da população. Os avanços que tivemos com a melhoria do acesso das classes menos abastadas, na forma de cotas tende a arrefecer, se outras políticas não forem implementadas. Não é pequeno o desafio do MEC. 

(*) Médico e professor da Unilab.

Fonte: Publicado In: O Povo, de 1/09/2023. Opinião. p. 21.

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