Por Ivan Batista Coelho (*)
O Programa
Mais Médicos, iniciado em 2013, mesmo paralisado pelo governo Temer em 2018
teve um forte impacto na formação médica brasileira. Ele possibilitou que
passássemos de 1,6 médicos por mil habitantes para 2,6 em pouco mais de uma
década. Isso, embora nos deixe distantes dos países da OCDE, nos aproxima dos
Estados Unidos, Japão e Canadá. Contamos hoje, segundo a Demografia Médica do
Conselho Federal de Medicina, com 389 escolas médicas nas quais ingressam em
média 100 estudantes de medicina por unidade por ano.
Porém, se
nossos problemas têm solução, nossas soluções também costumam ter problemas.
Quase 90% das 23 mil novas vagas criadas se deu no setor privado, em escolas
pequenas, que hoje responde por mais de 60% da oferta de vagas. À dificuldade
de fiscalizar e garantir a qualidade do ensino no grande número de escolas
criadas, soma-se um outro problema mais desafiador, o de regular um mercado
fortemente concentrado.
Formar médicos
é um ótimo negócio no Brasil: mensalidades de R$ 10 mil e grande procura pelas
vagas garantem gordos EBTIDAs aos grupos financeiros proprietários das escolas,
o que se traduz em aumento de suas ações em bolsa e demanda pela abertura de
novas vagas. Com o valor dos cursos estimado em 2 milhões de reais por vaga de
ingresso, a tentação de um pequeno grupo vender seu curso a grupos mais
poderosos é irresistível. A tendência é da concentração das escolas nas mãos de
poucos grupos financeiros. Em alguns estados, dois ou três desses grupos já
respondem pela maioria das vagas ofertadas, o que lhes confere grande poder de
definição de preços de mensalidade.
Considerando
que menos de 1% das famílias brasileiras vivem com mais de vinte
salários-mínimos por mês, o que, ainda com dificuldades, possibilitaria arcar
com as mensalidades e demais custos, não será necessário bola de cristal para
adivinhar que a medicina continuará fortemente elitizada.
Persistindo
esse cenário de estagnação das vagas públicas e crescimento das privadas,
formação em medicina passa a ser cada vez mais um assunto entre grandes grupos
financeiros e o extrato mais rico da população. Os avanços que tivemos com a
melhoria do acesso das classes menos abastadas, na forma de cotas tende a
arrefecer, se outras políticas não forem implementadas. Não é pequeno o desafio
do MEC.
(*) Médico e professor da Unilab.
Fonte: Publicado In: O Povo, de 1/09/2023. Opinião. p. 21.
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