Nos anos setenta, um general, conhecido por ser da linha dura do exército brasileiro, assumiu o comando da 10ª Região Militar. Ele era um burocrata obstinado, cumprindo seus afazeres profissionais na estrita observância dos regulamentos vigentes.
Quando ele soube que os médicos lotados no Hospital Geral de
Fortaleza (do Exército), o HGeF, davam expediente corrido, concentrados apenas
no turno da manhã, exigiu da direção do hospital o cumprimento da jornada de
dois turnos de trabalho.
De fato, a unidade hospitalar praticamente prestava o seu
atendimento ao público externo pela manhã, pois de tarde e à noite ficava sob a
responsabilidade do médico do dia e dos auxiliares escalados para plantão.
Se a chegada do novo comandante, por si só, causara inquietações
nas tropas, a sua determinação no tocante ao HGeF gerou um rebuliço entre
profissionais de saúde que ali prestavam serviços, especialmente os médicos e
dentistas, que exerciam atividades civis em outros horários.
Como é sabido, o militar não tem carga horária de trabalho definida
Os médicos já davam seis horas diárias, das 7h às 13h, de segunda a
sábado, perfazendo 36 horas, às quais se agregavam 12 horas de plantão,
totalizando uma jornada de 48 horas semanais de trabalho, superior a carga de
trabalho suportada por seus colegas civis atuantes no funcionalismo público, o
que causava um certo descontentamento do corpo clínico desse hospital militar.
Para contornar a situação, o coronel médico que dirigia o HGeF
enfrentou, com valentia e descortino, a decisão superior de pôr o hospital a
funcionar nos dois turnos. Ele distribuiu dois terços do seu quadro médico no
turno da manhã e o terço remanescente para trabalhar à tarde, de segunda a
sexta-feira, preservando o expediente de sábado pela manhã, para as práticas
desportivas, quase sempre um animado voleibol.
O valente coronel não ludibriou o obsessivo general, mas de uma só
cajadada deu conta de dois coelhos, digo problemas, atendendo a ordem do seu
comandante e solucionando a reivindicação dos seus colegas, de farda e de
Medicina.
Marcelo Gurgel Carlos da Silva
Ex-Presidente da Sobrames-Ceará
* Publicado In: SILVA, M. G. C. da (Org.). Ordinário, marche! Médicos
contam causos da caserna. Fortaleza: Expressão, 2015. 112p. p.85-87.
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