quinta-feira, 19 de maio de 2022

IDEIA FIXA É COISA DE LOUCO

Meraldo Zisman (*)

Médico-Psicoterapeuta

…apesar de respeitar a opinião de cada pessoa, a apreciação é um evento emocional e os acontecimentos — sejam bons ou ruins— são fidedignos. Como médico ou simples cidadão tenho por obrigação alertar sobre o agravamento dessa negação à vacinação.

Aqui no Brasil estamos aceitando a polarização política. Raiva, brigas, famílias se decompondo, antigas amizades apartadas, muitos deus-nos-acuda motivados por diferenças ideológicas ou políticas. Virou um “nós contra eles” agudíssimo, fora de ocasião e destrutivo. Muitos estão sofrendo o impacto desses debates que, em muitos casos, afetam a própria saúde psicossomática. Lembro sermos seres gregários (animais que vivem em grupo e se juntam por instinto ou, se desejarem, por natureza). A nossa própria família de origem é exemplo meridiano dessa tendência.

Escrevo este artigo como simples cidadão brasileiro e médico, sem acusar a mídia como a única culpada por tamanha balbúrdia entre nossas diferenças individuais, ainda que dentro do mesmo grupo social.

Percorramos o fato de tomar ou não tomar vacina?

Para uma tentativa de resposta, afirmo: apesar de respeitar a opinião de cada pessoa, a apreciação é um evento emocional e os acontecimentos — sejam bons ou ruins— são fidedignos. Como médico ou simples cidadão tenho por obrigação alertar sobre o agravamento dessa negação à vacinação.

Passeando por Sigmund Freud, gostaria primeiro, de lembrar… as conhecidas personalidades narcísicas que admiram exageradamente sua imagem e nutrem uma paixão por si mesmo – e adiciono: não aceitam opinião que divirja da sua.

Não mudam, nem diante dos fatos. Por suas opiniões, próprias ou herdadas do grupo ao qual avaliam pertencer e no caso particular das “polarizações políticas”, tornam-se arautos de negatividades e desesperanças que agridem nosso maior bem que é a Vida Humana.

Para esses enviesados pouco importam as evidências acumuladas. Pouco lhes importa se a polarização política traz como consequência a ausência de empatia de um para com o outro. Cautela, leitor, quanto às generalizações, elas são sempre muito perigosas. No caso, essa dicotomia é uma forma de narcisismo – separa o seu Eu dos outros, como se você fosse um gigante da moralidade, talvez o único ser perfeito na face da Terra.

Será que você é algum anjo? Algum enviado do Senhor? Um descrente da ciência ou niilista político que, como tal, deseja fundamentalmente a destruição de todas as forças políticas, religiosas e sociais que, na verdade, são essenciais para um futuro melhor. E acrescento: se todo mundo não presta e o único certo é aquele que generaliza o tal de ‘politicamente correto’, ele próprio termina por ficar paralisado e vai para casa. Tem medo de ser rejeitado pelo seu grupo. Desiste de lutar. Fica enclausurado em um conformismo individualista e, pior, não se junta aos homens e mulheres de bem para lutar contra a Pandemia. Fica conformado em nada mudar. Não tem jeito. E não tem mesmo jeito, o mundo é todo imperfeito, como é possível alguém ficar dizendo para si mesmo:— detenho dentro de mim toda a Moral e toda a Ética? Sou um Ser perfeito e único!  Se todos e tudo são imperfeitos e eu sou o único perfeito, para que lutar?… Já ganhei a batalha (perdida)!

O velho Freud tinha razão quando escreveu: “É costume de um tolo pôr a culpa no outro e de um indivíduo sábio agir”. E acrescento: tais indivíduos, quando erram, em vez de se culparem por sua opinião, passam a colocar nos outros a responsabilidade pelo erro.

Lembre-se: “O conformismo é o desespero de quem não luta mais”, ensina o adágio popular, tão antigo quanto a nossa legendária fuga à responsabilidade sobre nossos atos e conceitos, o que leva inexoravelmente à Fênix do Totalitarismo.

Este velho médico, simples esculápio de província, teve sua atenção chamada pela manchete publicada no Diário de Pernambuco:

BOLSONARO CEDE E INFORMA QUE SERÁ VACINADO NESTE SÁBADO DE ALELUIA (EDIÇÃO DIA 3 E 4 DE ABRIL DE 2020)

Advirto: parece que o presidente não mudou de apreciação, mas assistindo ao somatório dos fatos mudou de opinião quanto à vacinação e sua pertinência. Por isso reafirmo ser a “ideia fixa” uma exclusividade dos loucos.  Mudar de postura, antes tarde do que nunca, é que é racional. Já hoje, 04/04/2021, a CNN noticiou que o presidente não se vacinou. Dado tudo isso, este velho esculápio já não sabe em quem acreditar. Porém, enfatizo: se o presidente Bolsonaro não se vacinou, há que lembrar o que ensinou o Rabino Maimônides (Ram bam) -1138-1204): “Os fatos moldam a opinião e não o contrário. As opiniões não moldam os fatos. As coisas existem e são verdadeiras ou não existem, independentemente das crenças e opiniões das pessoas”.

O meu desejo é que se criem fatos concretos e, para isso, que se vacinem todos os que quiserem e puderem.

(*) Professor Titular da Pediatria da Universidade de Pernambuco. Psicoterapeuta. Membro da Sobrames/PE, da União Brasileira de Escritores (UBE), da Academia Brasileira de Escritores Médicos (ABRAMES) e da Academia Recifense de Letras. Consultante Honorário da Universidade de Oxford (Grã-Bretanha).

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