O pregador da Casa Pontifícia trouxe para a homilia desta
Sexta-feira Santa (7/4/23), na Basílica de São Pedro, em celebração presidida
pelo Papa, a reflexão sobre a existência de uma narrativa diversa para a morte
de Deus, "ideológica, não histórica", proclamada pelo anúncio que
Nietzsche põe na boca do "homem louco". Como crentes, convida Raniero
Cantalamessa, "é nosso dever mostrar o que está por trás ou sob aquele
anúncio".
Por Andressa Collet - Vatican News
No dia em que os fiéis são convidados a fixar o olhar em Jesus
Crucificado, que carregou na cruz os pecados de toda a humanidade para
salvá-la, o Papa Francisco presidiu a Liturgia da Palavra na Basílica de São
Pedro. Na homilia desta Sexta-feira Santa (7) de celebração da Paixão do
Senhor, o cardeal Raniero Cantalamessa reforçou o convite para se continuar -
"mais convictos do que nunca" - às palavras que dizemos a cada missa
há dois mil anos, após a consagração: “Anunciamos, Senhor, a vossa morte e
proclamamos a vossa ressurreição. Vinde, Senhor Jesus!”.
O homem no lugar de Deus
"A
Igreja anuncia e celebra, neste dia, a morte do Filho de Deus na cruz",
recorda o pregador da Casa Pontifícia, que logo lembra, porém, da
"existência de uma narrativa diversa" para a "morte de Deus -
ideológica, não histórica" proclamada "há um século e meio, e hoje,
em nosso ocidental descristianizado". Cantalamessa explica que "esta
morte diversa de Deus encontrou a sua perfeita expressão no conhecido anúncio
que Nietzsche põe na boca do 'homem louco', que chega sem fôlego à praça da
cidade: - Para onde foi Deus? – exclamou – É o que vou dizer. Nós o matamos –
vocês e eu!... nunca houve ação mais grandiosa e aqueles que nascerem depois de
nós pertencerão, por causa dela, a uma história mais elevada do que o foi
alguma vez toda essa história".
Uma ideia
de que "a história não seria mais dividida em antes de Cristo e depois de
Cristo, mas antes de Nietzsche e depois de Nietzsche", ou seja, continua
Cantalamessa, o homem, o “super-homem”, o “além-homem”, é colocado no lugar de
Deus. "Não demorará, contudo, a se dar conta de que, ao ficar só, o homem
não é nada"; pois "estamos
errando como num nada infinito”.
A verdade transcendente
Mas,
"não nos é lícito julgar o coração de um homem que somente Deus
conhece", recorda o pregador da Casa Pontifícia, e também o autor daquele
anúncio teve a sua parte de sofrimento na vida. E Cantalamessa recorda a oração
de Jesus na cruz: “Pai, perdoa-lhes! Eles não sabem o que fazem!” (Lc
23,34). A consequência, porém, que aquele anúncio teve, "aquela sim,
podemos e devemos julgar", enfatiza o cardeal, pois acabou virando moda e
declinada nos mais diferentes modos:
"O denominador
comum a todas estas diversas declinações é o total relativismo em todo campo:
ética, linguagem, filosofia, arte e, naturalmente, religião. Nada mais é
sólido; tudo é líquido, ou mesmo vaporoso. Na época do romantismo, deleitava-se
na melancolia, hoje, no niilismo. Como crentes, é nosso dever mostrar o
que está por trás ou sob aquele anúncio, isto é, a trepidação de uma antiga chama,
a erupção repentina de um vulcão jamais extinto desde o início do mundo."
Isto é,
afirma Cantalamessa: "há uma verdade transcendente que nenhuma narrativa
histórica ou raciocínio filosófico poderia nos transmitir":
Cristo Jesus, existindo em forma divina, não considerou um
privilégio um privilégio ser igual a Deus, mas esvaziou-se, assumindo a forma
de servo e tornando-se semelhante ao ser humano. E encontrado em aspecto
humano, humilhou-se, fazendo-se obediente até a morte – e morte de cruz!”
A ressureição conduz à apoteose da vida
Mas
"por que falar disto em uma liturgia da Sexta-feira Santa?", se
questiona o cardeal. "Não para convencer os ateus de que Deus não está
morto!", porque "para convencê-los são necessários outros meios, mais
do que as palavras de um velho pregador. Meios que o Senhor não deixará faltar
a quem tem o coração aberto à verdade". O verdadeiro objetivo "é
preservar os crentes – quem sabe, talvez apenas alguns estudantes
universitários – de serem atraídos para dentro deste vórtice do niilismo, que é
o verdadeiro 'buraco negro' do universo espiritual". O pregador da Casa
Pontifícia finaliza, então, a homilia:
“'Deus? Nós o matamos – vocês e eu!': Esta coisa tremenda se
realizou, de fato, uma vez na história humana, mas em sentido bem diferente
daquele bradado pelo 'homem louco'. Porque é verdade, irmãos e irmãs: fomos nós
- vocês e eu - que matamos Jesus de Nazaré! Ele morreu pelos nossos pecados e
também pelos de todo o mundo (1Jo 2,2). Mas a sua ressurreição assegura-nos que
este caminho não conduz à derrota, mas, graças ao nosso arrependimento, conduz
àquela 'apoteose da vida', em vão buscada em outros lugares.”
Tradução
das palavras do cardeal Cantalamessa: Fr. Ricardo Farias, ofmcap
Fonte: Vatican News, em 7/04/2023.
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