terça-feira, 18 de abril de 2023

LIVRARIA CULTURA, VÍTIMA OU ALGOZ?

Por Raymundo Netto (*)

A falência da Livraria Cultura, decerto, não seria uma surpresa. Digo "seria", pois após intensa choradeira, este mês, ela foi (por ora) suspensa. De todo modo, desde setembro de 2021, quando fechou as portas da sede do RioMar Fortaleza, ela não fazia mais parte do corpo da cidade. A Saraiva segue o mesmo caminho. Não demora e ouviremos os mesmos suspiros e lamentos de uma outra história, que é a mesma, e é só.

Por outro lado, há outras histórias tristes, tristíssimas, que poucos conhecem (ou lembram). Antes da chegada das megalivrarias, existiam outras, as "de bairro" ou "de rua", com seus nichos e públicos acolhidos que se reconheciam nelas. Contudo, o apelo comercial (leia-se marketing pesado), os cafés, o glamour e a imensa diversidade de títulos e produtos outros, acrescidos ao fascínio do fortalezense pela novidade, as esvaziaram, de forma que elas também cerraram as suas portas. No entanto, os lamentos ouvidos não deixaram o mercado nervoso.

Enquanto isso, as mega prosperavam, cobravam 50% do valor de capa dos livros que vendiam, botavam banca para receber livros e pressa nenhuma em prestar contas dessas vendas às editoras, e isto quando as faziam, além de não ter compromisso algum em disponibilizar espaço para os(as) autores(as) locais, o que seria uma simpática e justificada iniciativa. Ou seja, pousaram na cidade como discos voadores repletos de luzes coloridas, abduziram os clientes das modestas livrarias, acabando com a concorrência, não ofereciam vantagens para as editoras e escritores locais, e o resultado hoje é uma dívida enorme, inclusive com diversas editoras – é possível que tenham quebrado algumas também –, além de ter deixado, como pragas, uma cidade árida de livrarias.

Aliás, sabia que no século XIX tínhamos em Fortaleza mais livrarias do que temos hoje? Advirto: nada disso tem a ver com a discussão cansada de que "ninguém mais lê" ou que "o livro físico vai acabar" e o sucesso – que não aconteceu – das vendas de e-books. Claro, falar em mercado editorial é tão mais complexo quanto discutir se a fruta do pecado é a maçã inglesa ou a aramaica manga. Todas as cadeias desse negócio estão se rebolando para encontrar estratégias e alternativas de sobrevivência. Insumos caros, economia péssima e um apoio governamental de sobrar espaço no pires.

Para piorar, a pirataria tecnológica, que transforma tudo que é belo em PDF, está à solta nas mãos de qualquer leitor proficiente em smartphones e as lojas virtuais das grandes editoras concorrem com essas livrarias a insistir em abrir as portas para visitas, hoje, muito parecidas como as de museus. 

(*) Jornalista de O Povo.

Fonte: Publicado In: O Povo, de 14/03/23. Crônica, p.16.

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