segunda-feira, 4 de janeiro de 2021

DESERTO DE AR

Por Weiber Xavier (*)

A pós mais de sete meses tratando pacientes com Covid-19, contrai a doença e ela seguiu seu curso inflamatório e protrombótico de forma inexorável. Febre, tosse, mialgia e fadiga culminaram com falta de ar em repouso e não fosse a intervenção, tempo, zelo e dedicação da equipe médica pelos doutores André Albuquerque, Bruno Cavalcante, Juvêncio Câmara, Ronald Pedrosa e Randal Pompeu certamente teria outro desfecho.

Saber das possíveis complicações como médico nos expõe a uma angústia extra. São tempos de solidão, isolamento e inquietações. Felizmente recebi dentre o tratamento na UTI oxigênio em alto fluxo e com o "Elmo", capacete salvador criado pelo brilhante pesquisador e amigo Marcelo Alcântara que me assistiu providencialmente, consegui superar a insuficiência respiratória sem precisar ser entubado.

Não existe sensação mais angustiante do que não conseguir respirar normalmente e saber que a qualquer momento você pode perder sua autonomia, ser sedado e entubado. Lembrei-me inevitavelmente dos nossos pacientes que ficaram dias na UTI em estado grave...Tempo de deserto de ar. Em tempos de desesperança vem então a solidariedade e a ajuda através do apoio, mensagens e orações da família, amigos e colegas

A solidariedade e a generosidade são dentre muitas lições a aprender nessa pandemia. Felizmente já em casa me recuperando desse pesadelo estou me redescobrindo e reaprendendo como pessoa e tentar retomar a assistir meus pacientes e às aulas. Estar "do outro lado" nos torna mais sensíveis ao sofrimento. Acredito que todos temos um papel de servir, certamente faria tudo novamente.

Nesses tempos desafiadores encontraremos sempre alguém a nos ajudar e certamente diante de tantos outros sofrimentos o meu foi menor, mas único e espero que me permita retornar melhor como pessoa, médico e cidadão. O deserto que passei me trouxe essa inquietação e espero que enquanto sociedade possamos encontrar oásis para os tantos que sofrem por fome, por solidão, por injustiça por tantas outras inquietações.

E que nossa inteligência e energia cearenses possam encontrar respostas como o "Elmo" para essa terrível doença. Que Deus os abençoe ricamente. 

(*) Médico e professor de Medicina da UniChristus.

Fonte: Publicado In: O Povo, de 18/11/2020. Opinião. p.18.

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