quinta-feira, 21 de janeiro de 2021

DEIXA QUEM QUISER FALAR

Meraldo Zisman (*)

Médico-Psicoterapeuta

Nós brasileiros esquecemos que por maior que seja um país, ele não é maior que o mundo todo. Para eles (os do Primeiro Mundo) não passamos de um país periférico, quando não produtor de bananas ou como diziam os ingleses no meu tempo em que lá vivi: país de onde vêm as “Brazil nuts” (castanhas do Pará) e terra do Pelé…

A Amazônia é uma região de 7 milhões de quilômetros quadrados, ocupa 60% do território brasileiro e abriga cerca de 25 milhões de habitantes, 85% deles vivendo em cidades sem infraestrutura, sem saneamento básico, com péssimos serviços de energia e comunicação, com altas taxas de desemprego e de analfabetismo, dados que jamais mobilizaram as atenções mundiais de seus “defensores”, nem mesmo no Brasil – onde, há muito tempo, mantêm-se uma atitude de “colonialismo interno” e o olhar distante da região, tratando-a como “terra exótica”, habitada por índios e papagaios, almoxarifado da indústria sulista e “reserva ecológica” para turistas pós-modernos, como afirmam vários intelectuais brasileiros, embora acreditem que suas florestas guardam riquezas incalculáveis e até medicamentos para a juventude eterna.

Mas vamos lá ao que este médico de província está no momento matutando sobre o assunto.

Não entendo este pipocar barulhento, toda essa explosão midiática até internacional sobre o fogo na maior floresta do mundo. Queimadas sempre ocorreram, por lá, mais constantes na época seca, apesar de corriqueiras, nem por isso significa serem legais ou acertadas.

O “insulto” do presidente da França e as respostas do nosso Presidente soam como jogadas político-marqueteiras, servindo apenas para ocupar as páginas dos noticiosos já prenhes de novidades e fuxicos abaladores que facilitam a obtenção do pão nosso de cada dia pelos profissionais da imprensa de todos os países envolvidos.

Não discuto os interesses gauleses do abalo dos preços de sua produção agropecuária com a implantação do acordo do Mercosul com a Comunidade Europeia.  Nem muito menos os das nossas exportações de commodities e de alimentos.

Com o presidente francês Macron e outros chefes políticos europeus em decadência eleitoral, as “queimadas amazônicas” passaram a ser o bode expiatório da intoxicação carbônica do meio ambiente e assim eles aparecem encobertos pela cortina de fumaça dos incêndios florestais- tropicais, tornando-os em fatores eleitoreiros para que tais políticos pareçam mais simpáticos ou palatáveis aos eleitores dos seus respectivos países, sem que seus corpos e aparências sejam chamuscados pelo incêndio midiático por eles iniciado.

Nós brasileiros esquecemos que por maior que seja um país, ele não é maior que o mundo todo. Para eles (os do Primeiro Mundo) não passamos de um país periférico, quando não produtor de bananas ou como diziam os ingleses no meu tempo em que lá vivi: pais de onde vêm as “Brazil nuts” (castanhas do Pará) e terra do Pelé…

Vamos cuidar de nossa Amazônia na parte que nos toca e convém. Isso é da nossa conta. Deixe quem quiser falar.

Basta escutar/ler/compreender as nossas publicações periódicas, jornais, programas de TV para que se note o pouco que nossas mídias antissociais falam sobre assuntos importantes, principalmente os internacionais. Escrevem, fuxicam, sobre a política/situação do vizinho ou do conhecido. Sobre a situação internacional, jamais comentam. Mantêm-se apenas ao nível das brutalidades opinativas e as polarizações político-jabuticabenses. Sempre locais. Quando a tecnologia precede a cultura é o que acontece!

Vivem, a maioria dos brasileiros, olhando mais para o próprio umbigo, esquecendo que apesar de sermos quase do tamanho de um continente, fazemos parte de um planeta aonde cada estado-nação defende seus próprios interesses. Não existe país amigo, o que ocorre é a coincidência de interesses conjunturais simultâneos.

Algo que deveria ser pensado é a eterna continuação de nosso colonialismo interno, que domina em regiões de um estado ou de um município subjugados pelo seu próprio governo ou elite dominante.  Vale salientar que a politização do termo migração interna pelos marxistas — colonialismo externo ou interno — tem criado óbices para uma discussão profunda e sem ideologias acabadas/ultrapassadas deste assunto.

No caso brasileiro, a dominação por parte dos estados mais desenvolvidos e sua relação com os mais pobres deveria ser mais bem discutida.

É o caso da Amazônia Legal e a miséria dos que lá vivem ou apenas sobrevivem. Temos obrigação de irrigá-los com mais atenção e ajudá-los.

Lembro que apesar de não termos o problema dos imigrantes em número europeus creio que as migrações dos nordestinos para o centro-sul do país, foram maiores do que o aporte ora recebido pela Europa, sem que nos esqueçamos das migrações de pessoas oriundas do Leste da Europa após a queda do muro de Berlim.

Termino este artigo dizendo: há males que vêm para o bem, há males que apenas vêm… filosofia popular. Ou extrato de sabedoria acumulada. Fica a critério do leitor.

Acho que o presidente da França, nação que nos influencia por sua cultura e outras tantas coisas mais, tenha, sem querer, chamado a atenção para nós brasileiros da nossa importância Mundial, não somente pela Amazônia brasileira, mais do reconhecimento do Brasil no contexto das demais nações.

Vamos cuidar de nossa Amazônia na parte que nos toca e convém. Isso é da nossa conta. Deixe quem quiser falar.   Como diz Vinícius de Morais:

Deixa

“Fala quem quiser falar, meu bem
Deixa
Deixe o coração falar também
Porque ele tem razão demais quando se queixa
Então a gente deixa, deixa , deixa, deixa
Ninguém vive mais do que uma vez
Deixa
Diz que sim prá não dizer talvez
Deixa
A paixão também existe
Deixa
Não me deixes ficar triste

Nenhum “Macron” deste mundo vai tirar nossa alegria.

(*) Professor Titular da Pediatria da Universidade de Pernambuco. Psicoterapeuta. Membro da Sobrames/PE, da União Brasileira de Escritores (UBE), da Academia Brasileira de Escritores Médicos (ABRAMES) e da Academia Recifense de Letras. Consultante Honorário da Universidade de Oxford (Grã-Bretanha).

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