Nas escolas médicas tem sido uma tradição
fazer uma prova prática de Anatomia, que, pelo caráter de desafio, comumente é
chamada de “gincana”. Nesse exame, peças anatômicas são expostas e alguns
pontos são assinalados com laços ou alfinetes de ponta colorida, cabendo ao
aluno identificar a estrutura anatômica indicada pelo docente.
Na Faculdade de Medicina do Ceará, aí por
volta dos anos sessenta, um professor fazia a arguição de um estudante pouco
estudioso, diante de um grupo de colegas de turma. O tema em avaliação era a
anatomia topográfica da cabeça e do pescoço. Para isso, havia uma cabeça
dissecada, com a boca “escancarada”.
O docente indagou ao dito estudante:
– Nome da estrutura marcada com o alfinete da
bolinha vermelha? – Disse, apontando para dentro da cavidade oral.
– Campainha, professor – respondeu o aluno.
– Como é que é, meu filho?
– Campainha, mestre – repete o aluno.
– O que!? Não é possível! Um acadêmico de
Medicina e futuro médico recorrer a um nome popular, até um pouco chulo, diria
eu. Diga-me o termo correto, conforme a terminologia anatômica em uso.
O acadêmico, que perdera a aula e nada
estudara para submeter-se ao exame, tentava, com gestos faciais, dar a
impressão que fora um rápido vacilo, buscando extrair da cachola a resposta
certa, quando, na verdade, exteriorizava uma aflição própria de quem pedia
ajuda a terceiros.
O socorro não faltou, com uma amiga
soprando, baixinho, a resposta, tendo o devido cuidado, para não ser
desmascarada pelo professor, aliás, bem conhecido por seu rigor.
O mestre insistiu com a pergunta:
– Vamos lá, rapaz! Diga-me o nome oficial da
estrutura anatômica?
O acadêmico, que não conseguira ouvir com
precisão a palavra soprada, balbuciou, baixinho:
– Uuua, professor!
– Não ouvi bem o que você falou! Fale mais
alto, por favor – cobrou o docente.
– É uuuuaa, professor!
– Não entendi de novo a sua resposta –
reclamou – seja mais claro!
– É uuuuaa, professor! – Replicou o
discente.
O mestre que já
percebera, ou manjara, como então se falava, que o arguido de nada sabia, e
tentava enrolá-lo, aplica-lhe um xeque-mate:
– Soletre!!!
E de fato, não teve como o estudante driblar
a situação. Nem mesmo inventando que era gago.
Marcelo Gurgel
Carlos da Silva
Da Sobrames/CE e da Academia Cearense de Médicos
Escritores
Fonte: SILVA,
Marcelo Gurgel Carlos da. Medicina, meu
humor! Contando causos médicos. 2.ed. Fortaleza: Edição do Autor, 2022. 144p.
p.44-45.
* Republicado In: AMC. Causo médico: campainha x úvula. Informativo AMC (Associação Médica Cearense). Fevereiro de 2023 - Edição n.19, p.13 (em pdf).
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