Quando todo cristão apertado
afrouxa
A
vida é curso avançado de aprimoramento, através do esforço e da luta. E nós
ali, no Terminal da Parangaba, pela 11 da manhã - solzão de queimar paciências,
meros expectadores da fulerage transcendental. Quem? Eu e o
amigo-filósofo-e-homem-de-bem Francisco Lopes. Aguardávamos o Siqueira/Vila
Manuel Sátiro. Filas e mais filas. Emaranhado de bicho de orelha chegando a
partindo pra tudo que é canto da cidade.
Dissecávamos,
epistemológicos, o limite entre o conhecimento humano e a sabença dum bacurim
quando, de repente, aquele homem socado, metido num terno preto, calçando
mocassim, Bíblia debaixo do braço, cruza o Terminal com mais de mil, o rabo era
um rei. Entreolhamo-nos e um "diabeisso?" conjunto irrompe repentino.
Sem-número de questionamentos toma-nos de assalto.
Afinal,
por que o homem, jeitão de pastor protestante, Bíblia no braço, corria em tão
desabalada carreira? Comecei as divagações sobre o passageiro corredor
fortuito.
-
Tá perseguindo algum meliante, e golpeá-lo com chibatadas de fé!
E
Francisco, socrático, respondia de lá.
-
Não teria sido ele furtado por um ladrão de Bíblia, que empreendera fuga em
direção a Maranguape?
-
Talvez... Quiçá estivesse atrasado pro culto!
-
Provável. Sabe lá, quisesse chegar adiantado pra visita do ministro.
-
Será? Não estaria, alinhado daquele jeito, indo dar sermão nalgum irmão sem
futuro?
-
Bem, se carregava lápis no bolso do paletó, tinha urgência em modificar um
versículo.
-
Não, acho que o terno era só de agá: o homem ia ter com o Salvador...
Calamos
por instantes, à espera de o tal do cidadão de terno preto, Bíblia debaixo do
braço, retornar, após atravessar o Terminal em disparada. Sem argumentos mais,
quedamo-nos - crentes - que só podia ser aquilo, pelas palavras de Francisco:
-
Corria em busca do banheiro! Senão, pecaminoso, borraria as calças no Terminal!
Outro
homem saiu do WC. Feliz, mesmo sabendo que a felicidade não é desse mundo.
Tempo, tempo, tempo, tempo...
O
amigo Francisco citado conta que foi dar esmola pequena e o pedinte,
prenunciando o tiquinho de dinheiro a receber, disse não aceitar "mixaria,
e não insista!". Reclamação aceita, sentou-se, Francisco, e de pronto
rascunhou, consultor que é, o 'Manual do Moderno Mendigo'. Precede às regras o
seguinte caput, já sintetizado: "A globalização não poderá esquecer que
somos seu substrato mais ingente. Sem nós, os bestas, o que seria dos sabidos?
Portanto, atenção ao que postulamos, nesse enquadramento de mão-de-obra que
chamamos 'necessário bem dinâmico'. Somos a possibilidade de seu mais caridoso
exercício fraterno".
Às
regras - apenas 7 das 753, dissecadas por Francisco:
1ª
- Nunca chore. Você tá pedindo esmola, e não queixando-se de dor de barriga;
2ª
- Fale ao menos três idiomas (cearensês, então, é língua demais comercial);
3ª
- Não use camiseta, pra não ser confundido com malandro;
4ª
- Nunca peça "pelo amor de Deus", o doador pode ser ateu;
5ª
- Feder a cachaça em serviço é erro primário;
6ª
- Crie suas mídias sociais, anuncie nos classificados, trabalhe seu marketing
pessoal;
7ª
- Trate de pós-graduar-se em Economia, e abra conta conjunta na Caixa.
Fonte: O POVO, de 16/07/2023. Coluna “Crônicas”, de Tarcísio Matos. p.2.
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