sexta-feira, 29 de dezembro de 2023

Crônica: “No cagá dos pintos” ... e outros causos

No cagá dos pintos

- Afinal, que horas eu vou ter mesmo que me levantar amanhã, Dandão?

- Bem cedo, Zenilton!

- Me dê uma base de horário! Meu despertador natural é quengado!

- Cedinho! A professora disse que o ônibus da escola passa aqui em casa no alvorecer!

- Trocando em miúdos... – quer saber mais o interlocutor, bocejando.

- No cagar dos pintos, hômi!!!

- No cagá dos pinto?!? Isso aí é antes ou depois das 5 da madrugada? É 4h30, é 6h, é 7h15?

Dandão (14 anos), sempre preciso na pontualidade, revela à humanidade o exato instante correspondente ao que popularmente se chama “no cagar dos pintos:

- Nem cedo demais, pra não lascar a saúde, nem muito tarde, que é pra gente não perder o passeio de amanhã ao Balneário Caldas de Barbalha. Cuida!

- Esse horário regula umas 6 horas da matina?

- Precisamente, 5 horas, 35 minutos e 28 segundos! Entendeu?

- Agora, sim! Fechado! Zzzz...

“Fedido é quando é bem pouquinho…”

O despertador, no quarto dos meninos, dispara às 5 horas, 35 minutos e 28 segundos da sexta-feira do aguardado passeio da escola, com os estudantes, ao belíssimo Balneário do Cariri. Dandão dá uma upa da rede e, ganhando tempo, corre e se banha. Arrumado, cuida em acordar Zenilton (13 anos), no quinto sono ainda. E rola outro estresse, problema de difícil solução que envolve o caçula: o asseio matinal. Aos cutucões na rede, Dandão grita para um Zenilton entre dormindo e acordado:

- Tá na hora! Te levanta pra tomar banho, sujeito!

- Banho não resolve, já disse! – responde Zenilton demais sonolento.

- Ponha-se de pé, cabra, e passe já uma água no couro! Catingoso!

- Pra quê banho, se eu tô ainda bem cherosim de ontem?!?

Dandão então apela, por amor ao mano - menos pelo passeio e mais pela higiene e saúde dele. Mas é esculhambando, pra ver se sensibiliza:

- Tu tá uma catinga só, macho! Tambor de criar peba, microfone de comício, peido azedo, fedegoso, malcheiroso! É como se vivesse balançando o pé de fava! Se alua!

Insiste em vão o sempre disposto Dandão ante um Zenilton que voltou a dormir pesado. Sem argumento, dirige-se à mãe, que arrumava o dicumê deles.

- Acorda ele, dona Zilá. O ônibus passa daqui a pouco e Zenilton ainda aí, feito um morto.

- Pois é, filho! Todo santo dia essa resenha, essa luta.

- Esse pelo de cassaco, nem aí pra se levantar da rede e sair em busca do chuveiro! O puro cachorro molhado, roupa enxugada na sombra! Do jeito que tá, é como se comesse tucunaré sem tirar o fato. Te levanta, cheira a peido!

- Calma, Dandão! Fale assim com esse fedorento, não!!!

Lentamente despertando, porque foi a mãe que falou, Zenilton rebate o insulto:

- Fedorento, não! Eu só sou fedido! Fedido é quanto é bem poquim fedorento!

Não basta ser cego...

Cansado de ver as arrumações do mundo, Bartolomeu cismou da retina e se fez de cego. Botou óculos escuros e, sem o menor interesse em enganar as pessoas, “encegou-se”. Perguntei-lhe se estava bem na versão “tô nem vendo!” E ele, algo faltando...

- ‘Emouquecer-me’ é preciso também! Sabe lá me emudecer-me...

Fonte: O POVO, de 17/11/2023. Coluna “Crônicas”, de Tarcísio Matos. p.2.

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