No cagá dos pintos
-
Afinal, que horas eu vou ter mesmo que me levantar amanhã, Dandão?
-
Bem cedo, Zenilton!
-
Me dê uma base de horário! Meu despertador natural é quengado!
-
Cedinho! A professora disse que o ônibus da escola passa aqui em casa no
alvorecer!
-
Trocando em miúdos... – quer saber mais o interlocutor, bocejando.
-
No cagar dos pintos, hômi!!!
-
No cagá dos pinto?!? Isso aí é antes ou depois das 5 da madrugada? É 4h30, é
6h, é 7h15?
Dandão
(14 anos), sempre preciso na pontualidade, revela à humanidade o exato instante
correspondente ao que popularmente se chama “no cagar dos pintos:
-
Nem cedo demais, pra não lascar a saúde, nem muito tarde, que é pra gente não
perder o passeio de amanhã ao Balneário Caldas de Barbalha. Cuida!
-
Esse horário regula umas 6 horas da matina?
-
Precisamente, 5 horas, 35 minutos e 28 segundos! Entendeu?
-
Agora, sim! Fechado! Zzzz...
“Fedido é quando é bem
pouquinho…”
O
despertador, no quarto dos meninos, dispara às 5 horas, 35 minutos e 28
segundos da sexta-feira do aguardado passeio da escola, com os estudantes, ao
belíssimo Balneário do Cariri. Dandão dá uma upa da rede e, ganhando tempo,
corre e se banha. Arrumado, cuida em acordar Zenilton (13 anos), no quinto sono
ainda. E rola outro estresse, problema de difícil solução que envolve o caçula:
o asseio matinal. Aos cutucões na rede, Dandão grita para um Zenilton entre
dormindo e acordado:
-
Tá na hora! Te levanta pra tomar banho, sujeito!
-
Banho não resolve, já disse! – responde Zenilton demais sonolento.
-
Ponha-se de pé, cabra, e passe já uma água no couro! Catingoso!
-
Pra quê banho, se eu tô ainda bem cherosim de ontem?!?
Dandão
então apela, por amor ao mano - menos pelo passeio e mais pela higiene e saúde
dele. Mas é esculhambando, pra ver se sensibiliza:
-
Tu tá uma catinga só, macho! Tambor de criar peba, microfone de comício, peido
azedo, fedegoso, malcheiroso! É como se vivesse balançando o pé de fava! Se
alua!
Insiste
em vão o sempre disposto Dandão ante um Zenilton que voltou a dormir pesado.
Sem argumento, dirige-se à mãe, que arrumava o dicumê deles.
-
Acorda ele, dona Zilá. O ônibus passa daqui a pouco e Zenilton ainda aí, feito
um morto.
-
Pois é, filho! Todo santo dia essa resenha, essa luta.
-
Esse pelo de cassaco, nem aí pra se levantar da rede e sair em busca do
chuveiro! O puro cachorro molhado, roupa enxugada na sombra! Do jeito que tá, é
como se comesse tucunaré sem tirar o fato. Te levanta, cheira a peido!
-
Calma, Dandão! Fale assim com esse fedorento, não!!!
Lentamente
despertando, porque foi a mãe que falou, Zenilton rebate o insulto:
-
Fedorento, não! Eu só sou fedido! Fedido é quanto é bem poquim fedorento!
Não basta ser cego...
Cansado
de ver as arrumações do mundo, Bartolomeu cismou da retina e se fez de cego.
Botou óculos escuros e, sem o menor interesse em enganar as pessoas,
“encegou-se”. Perguntei-lhe se estava bem na versão “tô nem vendo!” E ele, algo
faltando...
-
‘Emouquecer-me’ é preciso também! Sabe lá me emudecer-me...
Fonte: O POVO, de 17/11/2023. Coluna “Crônicas”, de Tarcísio Matos. p.2.
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