sexta-feira, 8 de dezembro de 2023

Crônica: “Seres eternos, se pelando de medo ‘dela’ ” ... e outros causos

Seres eternos, se pelando de medo ‘dela’

Foi o que me contou Dão Galego. A história de Zé de Goré, que papocou com linha e tudo, sem ver de que, numa véspera de ano novo. Tem já quatro décadas.

Benquisto na comunidade, vizinhança foi em peso prestigiar o velório do Zé, melhor, "dar o último adeus, ao vivo e em cores, ao morto", ex-vereador. Os pais, já velhinhos, até queriam lá estar para encomendar a Deus o "menino", mas... Como, se arquejando? A solução encontrada pela viúva Nininha: dar um passeio com o esquife na residência deles, distante dali légua e meia.

- Vai na garupa da tua bicicleta, Totonho! Dinheiro para um misto não há! - ponderou chorosa a "mulher cujo marido morreu, enquanto não volta a se casar".

- É muito pesado, mãe! E longe que só! - ponderou o filho, o da bicicleta.

- Vai só o caixão na garupa, Totonho, limpo e seco, enrolado numa lona. Goré fica aqui na sala! Importante é algo dele ir, pra seu Chico e dona Risoleta verem a derradeira vez!

Sendo o enterro à tardinha, daria tranquilamente pra levar o de cujus por volta das 11 horas à casa dos genitores, que o abençoariam e, ligeirinho, o corpo voltaria, riscando direto pro cemitério do Cangulo. Era o pensamento de todos. Não foi bem assim. O homem era popular demais. Por onde a bicicleta - só com o caixão enrolado numa lona - passava, gente dava a mão, rolava ligeiro chororô. 17 casas receberam o caixão do ex-parlamentar, com direito a exposição na sala pras visitas dizerem - "Vai-te, colega!". E haja cerveja e tira-gosto de capote torrado no endereço de um dos amigos.

Uma da tarde e o caixão de Zé de Goré, enfim, chega ao endereço. 30 minutos de permanência, o combinado. À hora saída, porém, dona Risoleta não aguentou o pancão da tristeza e caiu durinha pra trás. Babau! Confusão grande. Caixão de Zé pouco percebido, todos se avolumavam, agora, em torno da recém-falecida. Ocorre que seu Chico, vendo o caixão do filho e a mulher ao lado, hirta, teve um troço e também falece.

- Positivamente, arre égua!!! - horroriza-se Nininha ante a cena dos mortos em série.

Totonho, prevendo que a coisa fosse bicho contagioso, podendo alcançar ele e/ou Nininha...

- Mãe, se avexe! Isso é pai querendo companhia! Bora despachar logo ele, antes que...

A propósito de companhia

Raimunda Branca era conhecida por fazer companhia às pessoas já moribundas, cuidar com desvelo e presteza de todos quando a vida já lhes sumia do horizonte. Caso de dona Dica, em seus presumíveis últimos instantes. Raimunda estava na casa da moribunda há um mês, acompanhou tudo. Tarimbada, a cuidadora voluntária estava crente que seria naquela manhã ensolarada de sábado a viagem da senhora. "De hoje não passa!"

Após o banho e o dicumê de Dica, Raimunda acomodou-a na rede, cheirosinha, e saiu pro banheiro. Nem começara o asseio e a voz trêmula da moribunda alcançou-lhe forte os tímpanos:

- Raimunda! Raimunda! Raimunda!

Pensando tratar-se do chamamento do espírito de Dica para que a generosa senhora lhe fizesse companhia na grande viagem, a sempre prestativa e ágil Raimunda Branca responde sem titubear:

- Vou não! Vou não! Vou não!

Por falar naquele transtorno da moda...

Marinho Filho chega em casa destreinado, foi de mal a pior no ENEM. Sem argumento para explicar ao pai o nível de dificuldade das provas do exame que o levaram ao malogro, a saída foi culpar o que estava ao alcance.

- Tenho TDH, pai!

- Meu esquerdo!!

Fonte: O POVO, de 5/11/2023. Coluna “Crônicas”, de Tarcísio Matos. p.2.

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