Por Cláudia Leitão
(*)
Devemos à literatura a produção de imagens
essenciais para a compreensão do adoecimento das sociedades. Albert Camus (1947), no seu magistral
romance "A Peste", descreve uma epidemia, que toma conta da cidade de Orão na
Argélia, portadora de sofrimento, loucura, mas também de compaixão entre os
indivíduos.
No "Ensaio sobre a Cegueira", José Saramago (1995) retoma as imagens da
epidemia e da quarentena, quando narra a história de um surto de cegueira
branca que se espalha sobre uma cidade, obrigando indivíduos a se confinarem e
a tomarem consciência, da forma mais atroz, de sua condição.
Mas, desde o "Édipo Rei", de Sófocles, temos sido
convocados a pensar a tragédia da condição humana a partir da Peste. Édipo é
condenado à morte quando ainda era recém-nascido.
Laio, rei de Tebas e seu pai, ouviu do oráculo de
Delfos que o filho algum dia o mataria e desposaria sua mãe, Jocasta. Diante da
revelação, o rei decide mandar matar o filho.
Um pastor é convocado para a tarefa, mas apieda-se e
o leva para casa, oferecendo-o posteriormente a Políbio, rei de Corinto, para adoção.
O desenrolar da peça conduz Édipo a realizar a
profecia do oráculo. Ao levantar das cortinas, o drama já está consumado.
A história começa com um sacerdote de Tebas que vem
implorar pela ajuda do rei Édipo, pois a cidade está assolada pela Peste.
Ao buscar ajuda para a cidade, Édipo tomará
consciência de seu destino. Todos os personagens parecem livres para agir, mas,
na verdade, somente vivem ilusões de futuro. No início sabe-se o final e no final compreende-se
o início.
A alegoria de uma cidade adoecida é o pano de
fundo da tragédia. Mais uma vez a Peste é o início e o fim de uma narrativa, processo e
produto dos desvarios humanos.
Nela percebemos que a liberdade humana não se resume
à permissão de agir, mas se refere, sobretudo, à capacidade de fazer escolhas.
Segundo Adorno, somente a morte nos dá uma imagem não deformada da vida.
Nesse sentido, as imagens da pandemia no Brasil revelam,
há um ano, que, além dos milhares de mortos, há milhões de
mortos-vivos.
Tempos trágicos.
(*) Professora da Uece. Diretora do
Observatório de Governança Municipal do Iplanfor.
Fonte: Publicado In: O Povo, de 22/3/21. Opinião, p.20.
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