Por Luiz
Gonzaga Fonseca Mota (*)
O rebanho de cordeiros era formado por animais pacíficos e diariamente
todos eles pastavam num campo fértil onde não faltava alimentação e água pura.
Um pouco distante, havia uma floresta muito bonita, com uma fauna diversificada
e com muitas feras bravas e indóceis. Geralmente, quando os cordeiros estavam
pastando, a alcateia - muitos lobos - ficava observando e esperando o momento
certo para atacar e fazer algumas presas. Era difícil acontecer, pois existiam
pastores armados e muitos cães ferozes a eles pertencentes. Como sempre, havia
um cordeiro que na hora do sol quente, quando os demais iam repousar, ele
ficava sob uma árvore lendo textos variados: romances, poesias, contos etc. Era
um ovino extremamente inteligente e se dedicava, nos momentos possíveis, à
leitura. Tinha certeza que mediante a leitura, poderia conseguir condições
melhores de vida. Certo dia, não percebeu que o rebanho se afastou, de vez que
estava concentrado nos livros, e então resolveu sem orientação dos pastores
caminhar pelo pasto em busca de sua morada. Preocupado, mas com coragem, pois
acabara de ler o poema “Navegar é Preciso” de Fernando Pessoa e lembrou-se, também do mesmo autor,
da frase “Tudo vale a pena quando a alma não
é pequena”. Com esse estímulo o cordeiro
continuou sua caminhada. Ao passar por um rio de águas transparentes, mas
revolto, observou no meio da correnteza um lobo se afogando e pedindo socorro.
Implorava para que o ovino, chamando-o de amigo, o salvasse daquela cruel
situação. O pacífico e inofensivo cordeiro pensou: vou salvá-lo no entanto
colocarei minha vida em perigo. Ele vai me devorar. Todavia, a alma do cordeiro
era grande, mesmo correndo sério risco. Concluída com muita dificuldade a
operação de salvamento, o lobo olhou para o corajoso cordeiro e num gesto
inesperado perguntou: que queres que eu faça
por você? Não persiga nunca mais os meus
irmãos cordeiros. Certo, disse o lobo. Agora lhe pedirei um outro favor:
ensina-me a ler, uma vez que sua generosidade decorreu de suas leituras.
Gostaria de ser correto e ter bom caráter como você. Moral da
história: até os desalmados podem ter
momentos de lucidez.
(*) Economista. Professor aposentado da UFC.
Ex-governador do Ceará.
Fonte: Diário
do Nordeste, Ideias. 23/4/2021.
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