segunda-feira, 10 de maio de 2021

O CORDEIRO E O LOBO

Por Luiz Gonzaga Fonseca Mota (*)

O rebanho de cordeiros era formado por animais pacíficos e diariamente todos eles pastavam num campo fértil onde não faltava alimentação e água pura. Um pouco distante, havia uma floresta muito bonita, com uma fauna diversificada e com muitas feras bravas e indóceis. Geralmente, quando os cordeiros estavam pastando, a alcateia - muitos lobos - ficava observando e esperando o momento certo para atacar e fazer algumas presas. Era difícil acontecer, pois existiam pastores armados e muitos cães ferozes a eles pertencentes. Como sempre, havia um cordeiro que na hora do sol quente, quando os demais iam repousar, ele ficava sob uma árvore lendo textos variados: romances, poesias, contos etc. Era um ovino extremamente inteligente e se dedicava, nos momentos possíveis, à leitura. Tinha certeza que mediante a leitura, poderia conseguir condições melhores de vida. Certo dia, não percebeu que o rebanho se afastou, de vez que estava concentrado nos livros, e então resolveu sem orientação dos pastores caminhar pelo pasto em busca de sua morada. Preocupado, mas com coragem, pois acabara de ler o poema “Navegar é Preciso” de Fernando Pessoa e lembrou-se, também do mesmo autor, da frase “Tudo vale a pena quando a alma não é pequena”. Com esse estímulo o cordeiro continuou sua caminhada. Ao passar por um rio de águas transparentes, mas revolto, observou no meio da correnteza um lobo se afogando e pedindo socorro. Implorava para que o ovino, chamando-o de amigo, o salvasse daquela cruel situação. O pacífico e inofensivo cordeiro pensou: vou salvá-lo no entanto colocarei minha vida em perigo. Ele vai me devorar. Todavia, a alma do cordeiro era grande, mesmo correndo sério risco. Concluída com muita dificuldade a operação de salvamento, o lobo olhou para o corajoso cordeiro e num gesto inesperado perguntou: que queres que eu faça por você? Não persiga nunca mais os meus irmãos cordeiros. Certo, disse o lobo. Agora lhe pedirei um outro favor: ensina-me a ler, uma vez que sua generosidade decorreu de suas leituras. Gostaria de ser correto e ter bom caráter como você. Moral da história: até os desalmados podem ter momentos de lucidez.

(*) Economista. Professor aposentado da UFC. Ex-governador do Ceará.

Fonte: Diário do Nordeste, Ideias. 23/4/2021.


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