O padre e o pato
Invocado do primeiro ao quinto, Jota Crocodilo (Jotinha) era o 'imbuanceiro' da região, sertão de fartura naquele inverno. Diferente em tudo (e de todos), não chamava lamparina de candeeiro, mas de "clarismundo"; gato era "papa-rato"; doido, "bebe-mingau"; padre, "papa-hóstia". E justo com o papa-hóstia Olegário deu-se esta. A cavalo numa besta, o da batina estanca na beira do rio Tiú, que corria cheio, de ponta a ponta. De passagem para onde daria uma extrema-unção, desce do animal, observa a tranquila correnteza à frente e interroga de Jotinha:
-
Jovem, é raso esse rio? Nessa passagem aqui?
-
Que nem bacia de banhar bebê, seu padre!
-
Posso atravessá-lo montado na besta, então?
-
Sem nenhum receio!
Olegário
mete o animal na água, com gosto de gás. Mas o tal rio Tiú, exatamente naquele
trecho, era um buraco só, feito cacimbão sem fundo. Padre em apuros.
-
Pelo amor de Deus, rapaz! Socorro!!! O rio é muito... glub, glub, glub...
Padre
só não morreu afogado porque o santo era forte. E pelos quatro cabras que
pegavam jacundá de anzol ali próximo, que se tacaram na água. Olegário e a
besta trazidos de volta ao local de partida, sãos e salvos. Jotinha, ainda ali,
ouve o cagaço.
-
Tem juízo não, seu incréu? Te perguntei se o rio era raso e tu disseste que eu
não me preocupasse!
-
Pois é, seu padre! Os patos aqui de casa, quando vão atravessar ele, é tudo com
água aqui pelo peito. O problema é que...
-
... é que eu quase me afogo! Bora, se reconcilie comigo! Vá na sua casa e me
veja uma caneca d'água mineral!
-
Água mineral num tem, mas se quiser uma coisinha de aluá, é tempo de São
João...
-
Traga o aluá!
Daqui
a pouco chega Jotinha com o aluá, numa quenga de coco.
-
Que é isso? Na sua casa não tem copo?
-
Tem não, seu vigário!
Padre
Olegário bebe que lambe os beiços. Crocodilo, solícito...
-
Quer mais?
-
Pegue mais uma terça!
E
bebendo a derradeira quengada da bebida tipicamente junina, o padre recorda que
quase morre afogado por conta da informação mal prestada pelo Crocodilo e,
segurando a quenga com as duas mãos, parte pra cima.
-
Eu podia quebrar essa quenga na tua cabeça, nera?
-
Faça não, seu padre! Essa quenga é o derradeiro penico que resta lá em casa!...
O autoenxame
A
caririense de Barbalha tia Paquinha, "das vista em petição de
miséria" nesses 95 anos de vida bem vividos, leu a propaganda do governo
(no folder bem aprumado em poder de uma neta) que ensinava: "O autoexame
da mama é importante para a detecção do câncer". Leu e se invocou, pois,
na verdade, ela não enxergou "autoexame". Como na terra dela enxame
tem o sentido de brincadeira, confusão, fuleiragem, perguntou à filha de seu
filho mais velho:
-
Quer dizer, Leilinha, que seu eu frescar comigo fazendo esse autoenxame mesma
eu não adoeço?
Fonte: O POVO, de 29/10/2021. Coluna “Crônicas”, de Tarcísio Matos. p.2.
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