sexta-feira, 16 de setembro de 2022

O TROTE (Medicina da UFC-1966)

Por Paulo Gurgel Carlos da Silva (*)

"A primeira aula não se dá e à última não se assiste."

No primeiro dia de aula, assim como fizeram muitos calouros da instituição, eu me apresentei com o cabelo já cortado a zero. Sabendo que teria o cabelo tosquiado, da pior forma possível, pelos alunos veteranos da Faculdade de Medicina da UFC.

O trote acontecia no "Território Livre das Mangueiras", no campus de Porangabussu. Não era violento, mas receei estar marcado para o pior dos trotes. Na qualidade de aluno do cursinho pré-vestibular do Diretório Acadêmico XII de Maio, no ano anterior eu tinha sido muito observado pelos veteranos enquanto transitava nas dependências da Faculdade.

Da programação do trote constavam: beber óleo de rícino, ser tosquiado (com "caminhos de rato" sendo feitos no couro cabeludo), receber pinturas corporais, fingir-se de estátua, fazer agachados etc.

O veterano Manassés, que fora meu professor no cursinho do DA XII de Maio, me pegou para Cristo. Ordenando-me que eu fizesse uns agachamentos, enquanto ele contava até dez. E, quando eu estava prestes a findar uma série de agachamentos, ele passava a contar em decimal.

De qualquer maneira, foi a parte mais agradável do trote e eu, que não era besta. procurei não me distanciar dele.

Em 1966, o trote era leve. Não tinha comparação com o que meu pai levou, em 1943, ao ingressar na Faculdade de Direito. Na ocasião, os calouros de nossa Salamanca saíram em uma passeata com faixas pelas ruas de Fortaleza. Uma delas, com uma exortação à participação do Brasil na II Guerra Mundial, na qual se lia: "Casar para evitar convocação é covardia!".

Nada contra a cobra ir fumar na Itália. Não fosse o meu genitor ter sido obrigado a desfilar vestido de "noiva", como ficou registrado em uma fotografia da época.

Voltando ao trote no campus de Porangabussu. Por ter umas gordurinhas a mais, um de nossos colegas foi posto em plano superior e na posição de lótus para receber as honrarias de Buda dos demais "trotandos".

No final das brincadeiras, o "bicho" (tratamento carinhoso dado ao calouro) comprava uma boina branca com a inscrição MEDICINA e os convites para uma calourada que dava direito a apreciar os veteranos se divertindo.

No ano seguinte, pude executar meu plano de vingança. Nessa nova edição do trote, por desfrutar da prerrogativa de ser um aluno veterano, eu aproveitei para tirar um amigo do cercadinho.

Aí fomos comemorar tomando umas cervejas no Dozinho.

(*) Graduado em Medicina pela UFC Turma de 1971.

Publicado no Blog Linha do Tempo de Paulo Gurgel em setembro de 2022.

http://gurgel-carlos.blogspot.com/2022/09/o-trote.html

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