Por Paulo Gurgel Carlos
da Silva (*)
"A primeira aula não se dá e à
última não se assiste."
No primeiro dia de aula, assim como
fizeram muitos calouros da instituição, eu me apresentei com o cabelo já
cortado a zero. Sabendo que teria o cabelo tosquiado, da pior forma possível,
pelos alunos veteranos da Faculdade de Medicina da UFC.
O trote acontecia no "Território
Livre das Mangueiras", no campus de Porangabussu. Não era violento, mas
receei estar marcado para o pior dos trotes. Na qualidade de aluno do cursinho
pré-vestibular do Diretório Acadêmico XII de Maio, no ano anterior eu tinha
sido muito observado pelos veteranos enquanto transitava nas dependências da
Faculdade.
Da programação do trote constavam: beber
óleo de rícino, ser tosquiado (com "caminhos de rato" sendo feitos no
couro cabeludo), receber pinturas corporais, fingir-se de estátua, fazer
agachados etc.
O veterano Manassés, que fora meu
professor no cursinho do DA XII de Maio, me pegou para Cristo. Ordenando-me que
eu fizesse uns agachamentos, enquanto ele contava até dez. E, quando eu estava
prestes a findar uma série de agachamentos, ele passava a contar em decimal.
De qualquer maneira, foi a parte mais
agradável do trote e eu, que não era besta. procurei não me distanciar dele.
Em 1966, o trote era leve. Não tinha
comparação com o que meu pai levou, em 1943, ao ingressar na Faculdade de
Direito. Na ocasião, os calouros de nossa Salamanca saíram em uma passeata com
faixas pelas ruas de Fortaleza. Uma delas, com uma exortação à participação do
Brasil na II Guerra Mundial, na qual se lia: "Casar para evitar convocação é covardia!".
Nada contra a cobra ir fumar na Itália.
Não fosse o meu genitor ter sido obrigado a desfilar vestido de "noiva",
como ficou registrado em uma fotografia da época.
Voltando ao trote no campus de
Porangabussu. Por ter umas gordurinhas a mais, um de nossos colegas foi posto
em plano superior e na posição de lótus para receber as honrarias de Buda dos
demais "trotandos".
No final das brincadeiras, o
"bicho" (tratamento carinhoso dado ao calouro) comprava uma boina
branca com a inscrição MEDICINA e os convites para uma calourada que dava
direito a apreciar os veteranos se divertindo.
No ano seguinte, pude executar meu plano
de vingança. Nessa nova edição do trote, por desfrutar da prerrogativa de ser
um aluno veterano, eu aproveitei para tirar um amigo do cercadinho.
Aí fomos comemorar tomando umas cervejas
no Dozinho.
(*) Graduado em Medicina
pela UFC Turma de 1971.
Publicado no Blog Linha do Tempo
de Paulo Gurgel em
setembro de 2022.
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